sexta-feira, 30 de maio de 2025

Para tudo ter final feliz

 



Uma bola de pano,

um pedaço de corda, sementes coloridas,

uma lata vazia, viram brincadeiras divertidas

de encher o dia, de guardar na memória

dos momentos alegres para a vida inteira.

Ora, vejam só, parece até brincadeira.

 

Quem brinca nunca erra,

Invente histórias engraçadas,

reais ou inventadas

que justamente é o xis

para tudo ter final feliz.

 

Quem usa a cachola consegue fazer

carrinhos de madeira, pipa, balão,

gaita de pente, bolha de sabão,

passeio vira aventura,

Tarefa vira diversão,

Tristeza passa a ser alegria,

tombo vira piada

choro acaba em gargalhada.

 

Quem brinca nunca erra,

Invente histórias engraçadas,

reais ou inventadas

que justamente é o xis

para tudo ter final feliz.

Protesto caiçara


 Vós, com tanta opulência,

porque quereis o que basta

para manter minha subsistência?

Vós, da eterna insatisfação,

porque quereis tirar

minha paz e minha certeza?

Vós, do reino da tristeza,

porque quereis furtar

minha alegria e minha beleza?

Vós, com tantas terras,

porque quereis meu pedacinho de céu,

meu ranchinho à beira-mar,

as terras do meu avô,

minha escola e meu diploma

do ofício de pescador?

Prova de amor

 

A prova maior da misericórdia de Deus

é que apesar de tudo o que faz a humanidade,

Ele ainda permite que as andorinhas,

tico-ticos e pardais,

habitem nossas cidades

para mitigar nossos ais. 


terça-feira, 27 de maio de 2025

A primavera não chegou na Ucrânia

 

A Ucrânia continua no inverno

das bombas, modernas, assassinas,

a Ucrânia continua no inferno,

produto de mentes  cretinas.

Na terra do trigo e do centeio

a ceifadeira não leva em conta

as crianças de permeio.

Na região tão carente de paz

traumas erguem-se a meio mastro

e pequenos órfãos sonham com os  pais.


domingo, 25 de maio de 2025

Proposta

 


https://drive.google.com/file/d/1BV_dhEQZYm6HkifrngTYaklfdhxcxhoq/view?usp=drive_link



Você chegou, andou, nadou,

Nadou na nossa praia, gostou do mar,

do nosso céu, das gaivotas a voar

e o planeta em que habito

ficou ainda mais bonito.

E eu, o que poderia fazer,

Ai, meu coração,

senão lhe ofertar

do jeito que estão,

todas as flores do lugar

com a louca esperança de agradar

e, você, por aqui permanecer

e entender que quero ser

muito mais do que amigo...

seu eu lhe der casa de pescador

com praia e oceano em anexo,

casa comigo?

sábado, 24 de maio de 2025

Bons ouvidos

 

Sons do outono no marulho das ondas

que consegue furar a distância

e a rede de obstáculos que me separam do mar;

nos passos dos pássaros sobre o telhado;

no som da vida saltado na cachoeira;

na conversa do vento com as folhas das árvores e

na pulsação do coração da bananeira. 

Sonho bom


Quando eu, afinal, acordar
com os primeiros raios de sol
varando as telhas vãs,
com o cheiro de café quentinho,
que vem da cozinha,
com o cacarejar
das galinhas no quintal,
com o rumorejar das ondas
quebrando no lagamar,
terei chegado
onde minha história começou
e para onde,
em todos esses anos,
eu procurei retornar.

Sinais humanos


Que risos riam,
que choros choravam,
que tristezas guardavam,
que alegrias externavam,
que cirandas bailavam,
que jongos jogavam,
os homens, as mulheres,
os escravos e patrões
dos séculos passados?
Quem quiser saber
que vá perguntar
às árvores e cipós
que abraçam as ruínas
das paredes e colunas
da Fazenda Lagoinha.

Parecer técnico-poético


É verdade que tem o cupim,

a broca e o fungo da podridão,

mas as casas antigas

morrem mesmo é de solidão.

Sinais dos tempos


O tempo de partir chega

e os amigos vão

em busca da universidade, do emprego,

do amor, do eldorado...

que pode estar em terras distantes,

ou aqui mesmo ao lado.

Os lugares ficam cheios de vazios

no outrora espaço de poetas errantes

e seus poemas ainda mais erradios.

No silêncio ainda vozes das despedidas

E um acorde musical que restou só.

No muro um anúncio: troca-se versos livres

por gravata e paletó.

Seu Juquinha das ervas


Houve um tempo

em que a ceifadeira

destruía vilas inteiras

e a morte escondia-se

no acidente,

na tosse da criança,

na peçonha da serpente.

Era o tempo

em que não havia medicina

e o mais sábio curandeiro

tinha a farmácia no terreiro.

Seu Joaquim da Praia da Fortaleza


Rapazinho ainda

viajou pra trabalhar nas docas de Santos,

frequentou escola

e chegou até os primeiros anos do ginásio,

mais longe que seus amigos.

E depois de uns tragos dava lição de graça,

porque era um sujeito boa-praça:

“Peguem dois substantivos concretos

uísque e cimento

e o resultado é um substantivo abstrato

o esquecimento (uisquecimento)”.

Eu não esqueci a lição

e apresento-lhes Seu Joaquim,

com seu bigode bem-comportado

debaixo de um chapéu de palhinha,

que tiro agora da memória

e lhes entrego nesta história.

Seu Hilário

 

Tinha uma espingarda

de fazer barulho no mato,

de espantar os bichos

que corriam assustados,

que alertavam a caapora

que berrava urros estranhos

de bichos d’antanho,

extintos no quaternário:

gliptodonte,

megatério,

mastodonte,

Seu Hilário 


Sessão especial


 

Todo mundo devia,

nem que seja de vez em quando,

pôr uma esteira ao relento

para assistir à performance dos astros

na tela do firmamento.

Enquanto isso no quintal

 

O sanhaço esfomeado

foi bicando, foi furando, foi entrando,

tudo isso sem um pio,

até que o mamão, afinal, o engoliu.

Serelepe

 


O bicho caxinguelê

pode não saber o beabá

mas decerto sabe contar

porque todo dia faz o inventário

de todos os coquinhos

do coqueiro jerivá.

Sem limites


 

Ninguém explicou que não podia

e Davi venceu Golias,

e o bem-te-vi enfrentou o gavião,

e o pássaro carapirá

se especializou em mergulhar,

e o peixe-voador

cismou de aprender a voar

e S. Francisco, o pobrezinho,

foi bater papo com passarinho.

 

Semana Santa


Santa Maria está tristinha

com o coração traspassado

lá na rua encontraram

um bebê abandonado

dois mil anos depois

de seu filho ser crucificado. 

São João na capela da Fortaleza

 


Estive longe de casa

por muito tempo

e quando retornei, ai,

não mais encontrei

meu rancho de canoa,

meus parceiros de pescarias,

minha rede de tresmalhos.

E dos antigos conhecidos,

sozinho na capela,

encontrei S. João Batista,

triste pelo meu pecado

de, por tanto tempo,

deixa-lo tão abandonado.

Santo padroeiro

 


São João Batista

do Deserto de Israel,

da morada sob o céu,

vem matar sua sede

no Rio da Fortaleza.

Retorne à capela

de frente para a praia,

vem fazer o milagre

de fazer recuar as águas

e as páginas da história

e consolar as mágoas,

trazendo quem foi embora.

São João, só em sua solidão

próximo do Rio Jordão,

volte para a Praia da Fortaleza

porque aqui tem pirão

São João, santo judeu

volte pro lugar

que por devoção já é seu. 

Santo cozinheiro

 


Quem usou o coentro bravo pela primeira vez

foi uma mulher de pescador em sua viuvez,

que ao preparar seu almoço com o peixe que o mar deu,

a farinha de mandioca que a terra deu

e só porque ainda não era tempo de limão,

era tempo de aflição,

tanto que São Benedito se condoeu,

e o padroeiro dos cozinheiros

foi lá na horta do céu, e então,

trouxe folhas de coentro bravo

e acertou o gosto do pirão.

Sambaqui

 

As camadas mais antigas

do sambaqui lá de casa

têm ossos de peixes,

pontas de flechas,

conchas de moluscos,

restos de cerâmica,

carapaças de tartarugas,

uma tíbia aqui,

um fêmur acolá.

Depois apareceram

elmo de pero,

dentes de perro,

bala de canhão,

perneiras de couro,

baú de latão

e mapa do tesouro.

No meio têm

moinho de café,

caixa de rapé,

bilhas de cachaça,

cuia de cabaça,

um pavilhão

verde-amarelo.

Logo após vieram

válvulas de rádio,

revista manchete,

manteiga viação,

queijo do reino,

vinho do Porto,

azeite português,

ovo de indez

e, assim, era uma vez.

Sala caiçara

  

Toda sala que se preze

tem que ter retratos de Santo Antônio,

de Santa Maria e demais parentes,

tem que ter um rádio de ondas curtas

pra ouvir as músicas

que vêm sobre as ondas

desde o Rio de Janeiro,

tem que ter o brasão do Santos

glória do futebol brasileiro,

tem que ter um assoalho

de dançar batepé até o sol raiar,

até o sol raiar ou o fôlego acabar.

Ruínas

 


No meio da mata do morro do Caçandoca,

entre antigos alicerces,

estão o que sobrou de um jardim

adubado pela nostalgia:

um pé de jasmim,

espadas de São Jorge,

antúrios, comigo-ninguém-pode

e uma antiga buganvília

coberta de barba-de-bode.

Roteiro de Ubatuba


Ubatuba começa no Oceano

e acaba na Serra e no meio tem

praias, jundus, rios,

cachoeiras, matas,

roceiros, pescadores,

menos dores e mais amores.

 

 

Riqueza verdadeira

 


Quando José Almiro

fechou para balanço

no ano de 1972

contabilizou:

um bananal que sobe morro acima,

abacateiros, mamoeiros, limoeiros,

três pés de fruta-conde;

duas jabuticabeiras;

cinco mexiriqueiras

também chamadas bergamotas

e um pé de cambucá

precisando ser bem investigado

lá no meio das grotas.

 

Riquezas da infância


Qual construtor

pode fazer uma casa

de pau-a-pique

que se mantém aquecida

mesmo com todas as frestas

por onde entram as agulhas

dos ventos frios?

Qual tecelão

consegue tecer um cobertor

de espaçadas tramas

que esquenta na razão direta

da simplicidade das almas?

Qual anfitrião,

com apenas dois peixes e cinco pães,

consegue saciar

a fome de uma multidão?

Eu já morei numa casa desta,

eu já usei um cobertor deste

e tenho a convicção,

que hei de comer deste peixe,

que hei de provar deste pão. 
 

Revolta


Um dos meus antepassados

quando se viu obrigado

por ordem de Bernardo José de Lorena,

Capitão Geral da Província,

a fazer comércio com o porto de Santos

pela metade do que valiam os seus produtos,

resolveu devolver a fazenda para o mato

e se tornou caipora.

Revelação


Em troca de ovas de tainha secas ao sol 

e assadas no fogão a lenha, 

acompanhadas de café 

torrado na hora e fresquinho, 

um desconhecido revelou pra minha avó 

que era um viajante das estrelas, 

Vovó acreditou porque é avó de poeta 

e gosta de belas e fantasiosas balelas.


Revelações

 


Gosto de assistir a alvorada
por revelar o mundo
ao fazer as paisagens surgirem
desde as bandas do nascente
igual foto polaroide:
p-a-u-l-a-t-i-n-a-m-e-n-t-e.

Ressurreição

 

No quintal da minha avó

sempre houve flor-do-japão

de belas e vistosas folhagens

com tal mania de perfeição

que escolhem morrer

e deixar secar as folhas e a vida

para, quando menos se espera,

surpreender o mundo todo

com bela e cheirosa floração

erguendo-se direto do chão

Ressaca


Uma refrega aconteceu

para as bandas do nascente

entre o oceano e o ciclone

e a consequência já se percebe

no alvoroço das ondas no horizonte.

E os saveiros com todos os panos

e as canoas com todos os remos

cortam o mar como faca

para escapar

ao mau-humor do mar: ressaca. 

Retratos do Brasil

 


Tudo era tão longe
nos tempos de meu tataravô
que Ubatuba continuou
pertencendo ao império
por quase mais um ano
após o rebuliço republicano.

Reparem bem


Nas cidades dos edifícios,

das chaminés, das autoestradas,

da fumaça e do barulho,

a poesia foi esconder-se

nos becos, nas casas antigas,

nos cantos do jardim malcuidado

igual cachorrinho assustado.

 

Recordações de 1970


Cuia de cabaça

pra comer farinha,

moinho de torrar café

na borda da mesa,

São João Batista

com um cordeirinho

aos ombros,

esteira de taboa

pro descanso do corpo,

lampião de pavio

espalhando luz e sombras

e rádio de válvulas

irradiando desinformações

pela voz do Brasil. 

Recomendação


É preciso investigar

quem é o responsável

pelas lições camicases

dadas aos carapirás

da Ilha dos Alcatrazes.

 

Receita do melhor café do mundo


É preciso espaço entre as bananeiras

para plantar café,

crianças brincando de aprender

a colher café,

espaço no terreiro

para secar café,

caldeirão de ferro

para torrar café,

moinho manual

para moer café,

fogão à lenha

Para esquentar

a água na chaleira

para fazer café,

um peixe frito com farinha

pra acompanhar o café.