sábado, 31 de maio de 2025
sexta-feira, 30 de maio de 2025
Para tudo ter final feliz
Uma bola de pano,
um pedaço de corda, sementes coloridas,
uma lata vazia, viram brincadeiras divertidas
de encher o dia, de guardar na memória
dos momentos alegres para a vida inteira.
Ora, vejam só, parece até brincadeira.
Quem brinca nunca erra,
Invente histórias engraçadas,
reais ou inventadas
que justamente é o xis
para tudo ter final feliz.
Quem usa a cachola consegue fazer
carrinhos de madeira, pipa, balão,
gaita de pente, bolha de sabão,
passeio vira aventura,
Tarefa vira diversão,
Tristeza passa a ser alegria,
tombo vira piada
choro acaba em gargalhada.
Quem brinca nunca erra,
Invente histórias engraçadas,
reais ou inventadas
que justamente é o xis
para tudo ter final feliz.
Protesto caiçara
Vós, com tanta opulência,
porque quereis o que basta
para manter minha subsistência?
Vós, da eterna insatisfação,
porque quereis tirar
minha paz e minha certeza?
Vós, do reino da tristeza,
porque quereis furtar
minha alegria e minha beleza?
Vós, com tantas terras,
porque quereis meu pedacinho de céu,
meu ranchinho à beira-mar,
as terras do meu avô,
minha escola e meu diploma
do ofício de pescador?
Prova de amor
A prova maior da misericórdia de Deus
é que apesar de tudo o que faz a humanidade,
Ele ainda permite que as andorinhas,
tico-ticos e pardais,
habitem nossas cidades
para mitigar nossos ais.
terça-feira, 27 de maio de 2025
A primavera não chegou na Ucrânia
A Ucrânia continua no inverno
das bombas, modernas, assassinas,
a Ucrânia continua no inferno,
produto de mentes cretinas.
Na terra do trigo e do centeio
a ceifadeira não leva em conta
as crianças de permeio.
Na região tão carente de paz
traumas erguem-se a meio mastro
e pequenos órfãos sonham com os pais.
domingo, 25 de maio de 2025
Proposta
https://drive.google.com/file/d/1BV_dhEQZYm6HkifrngTYaklfdhxcxhoq/view?usp=drive_link
Você chegou, andou, nadou,
Nadou na nossa praia, gostou do mar,
do nosso céu, das gaivotas a voar
e o planeta em que habito
ficou ainda mais
bonito.
E eu, o que poderia fazer,
Ai, meu coração,
senão lhe ofertar
do jeito que estão,
todas as flores do lugar
com a louca esperança de agradar
e, você, por aqui permanecer
e entender que quero ser
muito mais do que amigo...
seu eu lhe der casa de pescador
com praia e oceano em anexo,
casa comigo?
sábado, 24 de maio de 2025
Bons ouvidos
Sons do outono no marulho das ondas
que consegue furar a distância
e a rede de obstáculos que me separam do mar;
nos passos dos pássaros sobre o telhado;
no som da vida saltado na cachoeira;
na conversa do vento com as folhas das árvores
e
na pulsação do coração da bananeira.
Sonho bom
Quando eu, afinal, acordar
com os primeiros raios de sol
varando as telhas vãs,
com o cheiro de café quentinho,
que vem da cozinha,
com o cacarejar
das galinhas no quintal,
com o rumorejar das ondas
quebrando no lagamar,
terei chegado
onde minha história começou
e para onde,
em todos esses anos,
eu procurei retornar.
Sinais humanos
Que risos riam,
que choros choravam,
que tristezas guardavam,
que alegrias externavam,
que cirandas bailavam,
que jongos jogavam,
os homens, as mulheres,
os escravos e patrões
dos séculos passados?
Quem quiser saber
que vá perguntar
às árvores e cipós
que abraçam as ruínas
das paredes e colunas
da Fazenda Lagoinha.
Parecer técnico-poético
É verdade que tem o cupim,
a broca e o fungo da podridão,
mas as casas antigas
morrem mesmo é de solidão.
Sinais dos tempos
O tempo de partir chega
e os amigos vão
em busca da universidade, do emprego,
do amor, do eldorado...
que pode estar em terras distantes,
ou aqui mesmo ao lado.
Os lugares ficam cheios de vazios
no outrora espaço de poetas errantes
e seus poemas ainda mais erradios.
No silêncio ainda vozes das despedidas
E um acorde musical que restou só.
No muro um anúncio: troca-se versos livres
por gravata e paletó.
Seu Juquinha das ervas
Houve um tempo
em que a ceifadeira
destruía vilas inteiras
e a morte escondia-se
no acidente,
na tosse da criança,
na peçonha da serpente.
Era o tempo
em que não havia medicina
e o mais sábio curandeiro
tinha a farmácia no terreiro.
Seu Joaquim da Praia da Fortaleza
Rapazinho ainda
viajou pra trabalhar nas docas de Santos,
frequentou escola
e chegou até os primeiros anos do ginásio,
mais longe que seus amigos.
E depois de uns tragos dava lição de graça,
porque era um sujeito boa-praça:
“Peguem dois substantivos concretos
uísque e cimento
e o resultado é um substantivo abstrato
o esquecimento (uisquecimento)”.
Eu não esqueci a lição
e apresento-lhes Seu Joaquim,
com seu bigode bem-comportado
debaixo de um chapéu de palhinha,
que tiro agora da memória
e lhes entrego nesta história.
Seu Hilário
Tinha uma espingarda
de fazer barulho no mato,
de espantar os bichos
que corriam assustados,
que alertavam a caapora
que berrava urros estranhos
de bichos d’antanho,
extintos no quaternário:
gliptodonte,
megatério,
mastodonte,
Seu Hilário
Sessão especial
Todo mundo devia,
nem que seja de vez em quando,
pôr uma esteira ao relento
para assistir à performance dos astros
na tela do firmamento.
Enquanto isso no quintal
O sanhaço esfomeado
foi bicando, foi furando, foi entrando,
tudo isso sem um pio,
até que o mamão, afinal, o engoliu.
Serelepe
O bicho caxinguelê
pode não saber o beabá
mas decerto sabe contar
porque todo dia faz o inventário
de todos os coquinhos
do coqueiro jerivá.
Sem limites
Ninguém explicou que não podia
e Davi venceu Golias,
e o bem-te-vi enfrentou o gavião,
e o pássaro carapirá
se especializou em mergulhar,
e o peixe-voador
cismou de aprender a voar
e S. Francisco, o pobrezinho,
foi bater papo com passarinho.
Semana Santa
Santa Maria está tristinha
com o coração traspassado
lá na rua encontraram
um bebê abandonado
dois mil anos depois
de seu filho ser crucificado.
São João na capela da Fortaleza
Estive longe de casa
por muito tempo
e quando retornei, ai,
não mais encontrei
meu rancho de canoa,
meus parceiros de pescarias,
minha rede de tresmalhos.
E dos antigos conhecidos,
sozinho na capela,
encontrei S. João Batista,
triste pelo meu pecado
de, por tanto tempo,
deixa-lo tão abandonado.
Santo padroeiro
São João Batista
do Deserto de Israel,
da morada sob o céu,
vem matar sua sede
no Rio da Fortaleza.
Retorne à capela
de frente para a praia,
vem fazer o milagre
de fazer recuar as águas
e as páginas da história
e consolar as mágoas,
trazendo quem foi embora.
São João, só em sua solidão
próximo do Rio Jordão,
volte para a Praia da Fortaleza
porque aqui tem pirão
São João, santo judeu
volte pro lugar
que por devoção já é seu.
Santo cozinheiro
Quem usou o coentro bravo pela primeira vez
foi uma mulher de pescador em sua viuvez,
que ao preparar seu almoço com o peixe que o mar deu,
a farinha de mandioca que a terra deu
e só porque ainda não era tempo de limão,
era tempo de aflição,
tanto que São Benedito se condoeu,
e o padroeiro dos cozinheiros
foi lá na horta do céu, e então,
trouxe folhas de coentro bravo
e acertou o gosto do pirão.
Sambaqui
As camadas mais antigas
do sambaqui lá de casa
têm ossos de peixes,
pontas de flechas,
conchas de moluscos,
restos de cerâmica,
carapaças de tartarugas,
uma tíbia aqui,
um fêmur acolá.
Depois apareceram
elmo de pero,
dentes de perro,
bala de canhão,
perneiras de couro,
baú de latão
e mapa do tesouro.
No meio têm
moinho de café,
caixa de rapé,
bilhas de cachaça,
cuia de cabaça,
um pavilhão
verde-amarelo.
Logo após vieram
válvulas de rádio,
revista manchete,
manteiga viação,
queijo do reino,
vinho do Porto,
azeite português,
ovo de indez
e, assim, era uma vez.
Sala caiçara
Toda sala que se preze
tem que ter retratos de Santo Antônio,
de Santa Maria e demais parentes,
tem que ter um rádio de ondas curtas
pra ouvir as músicas
que vêm sobre as ondas
desde o Rio de Janeiro,
tem que ter o brasão do Santos
glória do futebol brasileiro,
tem que ter um assoalho
de dançar batepé até o sol raiar,
até o sol raiar ou o fôlego acabar.
Ruínas
No meio da mata do morro do Caçandoca,
entre antigos
alicerces,
estão o que sobrou de
um jardim
adubado pela nostalgia:
um pé de jasmim,
espadas de São Jorge,
antúrios, comigo-ninguém-pode
e uma antiga buganvília
coberta de
barba-de-bode.
Roteiro de Ubatuba
Ubatuba começa no
Oceano
e acaba na Serra e no meio tem
praias, jundus, rios,
cachoeiras, matas,
roceiros, pescadores,
menos dores e mais amores.
Riqueza verdadeira
Quando José Almiro
fechou para balanço
no ano de 1972
contabilizou:
um bananal que sobe morro acima,
abacateiros, mamoeiros, limoeiros,
três pés de fruta-conde;
duas jabuticabeiras;
cinco mexiriqueiras
também chamadas bergamotas
e um pé de cambucá
precisando ser bem investigado
lá no meio das grotas.
Riquezas da infância
Qual construtor
pode fazer uma casa
de pau-a-pique
que se mantém aquecida
mesmo com todas as frestas
por onde entram as agulhas
dos ventos frios?
Qual tecelão
consegue tecer um cobertor
de espaçadas tramas
que esquenta na razão direta
da simplicidade das almas?
Qual anfitrião,
com apenas dois peixes e cinco pães,
consegue saciar
a fome de uma multidão?
Eu já morei numa casa desta,
eu já usei um cobertor deste
e tenho a convicção,
que hei de comer deste peixe,
que hei de provar deste pão.
Revolta
Um dos meus antepassados
quando se viu obrigado
por ordem de Bernardo José de Lorena,
Capitão Geral da Província,
a fazer comércio com o porto de Santos
pela metade do que valiam os seus produtos,
resolveu devolver a fazenda para o mato
e se tornou caipora.
Revelação
Em troca de ovas de tainha secas ao sol
e assadas no fogão a lenha,
acompanhadas de café
torrado na hora e fresquinho,
um desconhecido revelou pra minha avó
que era um viajante das estrelas,
Vovó acreditou porque é avó de poeta
e
gosta de belas e fantasiosas balelas.
Revelações
Gosto de assistir a alvorada
por revelar o mundo
ao fazer as paisagens surgirem
desde as bandas do nascente
igual foto polaroide:
p-a-u-l-a-t-i-n-a-m-e-n-t-e.
Ressurreição
No quintal da minha avó
sempre houve flor-do-japão
de belas e vistosas folhagens
com tal mania de perfeição
que escolhem morrer
e deixar secar as folhas e a vida
para, quando menos se espera,
surpreender o mundo todo
com bela e cheirosa floração
erguendo-se direto do chão
Ressaca
Uma refrega aconteceu
para as bandas do nascente
entre o oceano e o ciclone
e a consequência já se percebe
no alvoroço das ondas no horizonte.
E os saveiros com todos os panos
e as canoas com todos os remos
cortam o mar como faca
para escapar
Retratos do Brasil
Tudo era tão longe
nos tempos de meu tataravô
que Ubatuba continuou
pertencendo ao império
por quase mais um ano
após o rebuliço republicano.
Reparem bem
Nas cidades dos edifícios,
das chaminés, das autoestradas,
da fumaça e do barulho,
a poesia foi esconder-se
nos becos, nas casas antigas,
nos cantos do jardim malcuidado
igual cachorrinho assustado.
Recordações de 1970
Cuia de cabaça
pra comer farinha,
moinho de torrar café
na borda da mesa,
São João Batista
com um cordeirinho
aos ombros,
esteira de taboa
pro descanso do corpo,
lampião de pavio
espalhando luz e sombras
e rádio de válvulas
irradiando desinformações
pela voz do Brasil.
Recomendação
É preciso investigar
quem é o responsável
pelas lições camicases
dadas aos carapirás
da Ilha dos Alcatrazes.
Receita do melhor café do mundo
É preciso espaço entre as bananeiras
para plantar café,
crianças brincando de aprender
a colher café,
espaço no terreiro
para secar café,
caldeirão de ferro
para torrar café,
moinho manual
para moer café,
fogão à lenha
Para esquentar
a água na chaleira
para fazer café,
um peixe frito com farinha
pra acompanhar o café.