domingo, 21 de fevereiro de 2021

Pobrezas e riquezas caiçaras

 








A casa de caiçara era simples 

com reboco sobre as paredes de pau-a-pique,

telhado com ripas de jiçara

e telhas que não existem mais,

telhas feitas nas coxas.

Janelas e portas sempre ficaram abertas

para entrar a luz do sol, a brisa do mar,

crianças a todo instante e, de vez em quando,

um passarinho que errava de rumo.

As plantas do jardim sempre foram bem cuidadas,

como podem declarar

os fiscais das flores desta comarca,

borboletas, colibris e mariquitas.

A casa era guardada por um cachorro viralata,

mas quem nos protegia mesmo era São Miguel Arcanjo,

vovó o viu apenas uma vez na vida

quando voltava da reza do rosário na capela.

- Ele é uma pessoa muito muito grande, dizia ela.


Nostalgia de tarde de domingo








É de entristecer um quintal sem criação,

sem galinhas a ciscar,

sem, pelos menos, três espécies de roseiras,

sem crianças a reinar,

sem um cachorro viralata sequer...

eu acho a coisa mais triste do mundo

um balanço  onde só o vento é quem brinca.


Sabedoria de Seu Júlio



Desperto cedo e vou espiar o mar
para constatar que o caiçara já tinha acordado,
visitado o pesqueiro
e retirado os peixes do tresmalho.
- Por que tão cedo, pescador?
- Ora, cada um tem que saber o que é,
eu não fui feito para o sol,
pois não sou mandacaru
e nem tenho couro grosso de jacaré.



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

A voz da experiência




Com tantas coisas interessantes

para brincar de vir a ser:

tarzan entre as árvores,

jogador de futebol,

buscador de mães do ouro,

aprendiz de pescador,

dançarino de cirandas...

Eu acabei, olha só,

de gravata e paletó.

Poema do aprendizado

 


Eu não sabia que não sabia, por exemplo,

morar longe do mar, 

navegar só nos panos, 

brincar de namorar,

pedalar a bicicleta...

então eu fui lá e quebrei a cara.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Recomeço


Com máscaras nos rostos
só nos resta ler os olhos,
ouvir as palavras e
apreciar os gestos
para superar o distância pandêmica
que nos afastou uns dos outros.
Mal posso esperar o recomeço,
especialmente da esperança
de que a escola é lugar para se gostar;
de que o povo vai acordar
e o homem violento vai tombar;
de que os falsos profetas não enganarão mais,
e o dinheiro já não comprará mais consciências;
de que a ignorância não é mais do que  a ciência
e de que, quando passar esta pandemia,
se outra vier, que venha a da empatia.



Recomeço

 


No meio do caminho tem uma pedra, 

mas que pedra, Senhor CDA!,

um obstáculo microscópico, 

um vírus, ser incompleto que nem tem DNA,

mas que virou pandemia,

que perturbou a vida,

que puxou o freio da economia:

fecharam os hotéis e pousadas,

nada de festas e carnavais,

nenhuma viagem de avião,

aulas só virtuais

e cancelaram até os abraços nos avós.

Médicos, médicas, enfermeiros e enfermeiras

ministram oxigênio e a esperança da cura;

cientistas procuram soluções,

poetas procuram rimas:

adrenalina, celestina, aglutina, vaticina,

hemoglobina, horizontina, examina,

penicilina, raciocina, reexamina, 

serotonina, interdisciplina, nitroglicerina

até chegar, Cristina, ufa!, na descoberta da vacina.