sábado, 30 de dezembro de 2017

Poema de encomenda











Camila foi à cidade
comprou especiarias
para temperar a vida,
mantimentos para dar substância
para uma boa infância
e, por precaução,
um tanto de cabelos de anjo
para fazer um bebê no capricho.
Depois passou na oficina do poeta
e encomendou um poema para o menino
que vai chegar depois do carnaval
que já chuta, samba e até batuca.
Seja bem vindo, pequenino Luca.

Queridos inimiguinhos



Todos guardam na memória
dos tempos de criança
alguns inimiguinhos
que empatavam o jogo,
turvavam a água,
entornavam o caldo,
puxavam o tapete
e teimavam em dizer
que a gente é que era o adversário,
ou seja, faziam tudo ao contrário.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Manual de mágica


Basta um manual, uma cartola
e uma capa com estrelas
para começar a tirar moedas das orelhas,
adivinhar cartas sem olhar,
ler pensamentos a torto e direito,
até se cansar, tirar a cartola
e sacudir a capa
para as estrelas voltarem ao céu.




Nossa Senhora das Andorinhas

Parece que este ano
há mais andorinhas
que vieram em migração
e fazem seus ninhos
na igrejinha de Nossa Senhora de Belém,
que durante o verão passa a ser
Nossa Senhora dos passarinhos também.



quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Foram os poetas?



Régis, meu filho,
quem pôs os nomes nas flores
angélicas, copos de leite,
chuvas de prata, jacintos,
helicônias, palmas,
rosas, centáureas,
dálias, margaridas,
amarílis, flor de lis...?
Sei não, pai, só sei que quem planta flores
ganha de brinde as mariquitas e os colibris.

Viver de poesia



O colibri riscou o jardim de leste a oeste,
de norte a sul,
matou a fome com néctar das flores
e a sede com uma gota de orvalho
e começou a fazer as visitas de cortesia
a beijar angélicas, amarílis e margaridas,
como eu queria fazer um dia,
mas como não vivo de poesia
e tenho que sair para trabalhar,
ponho um ponto no poema
e o beija-flor fica no ar.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O "sem coração".



Quando a gente ainda era "bicho do mato"
um diabo vestido de doutor nos visitou
olhou o bananal, os pés de café,
as flores de minha avó,
achou tudo muito bonito demais
para aquela família tão pobre de posses
e propôs um preço vil
pela casa, terras, plantações,
desde os morros até ao rio.
Meu avô esconjurou, fez o sinal da cruz,
o mandou embora e depois chamou minha atenção:
- Meu filho, é preciso sabedoria
para reconhecer aquele que não tem coração.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Feliz Natal




O menino Jesus nasceu, chorou um pouco,
foi acarinhado pela mamãe que o amamentou
e agora está dormindo no berço de palha
cercado de bichos e pessoas
que o olham e escutam, admirados,
os anjos que cantam louvores
totalmente explicáveis pelo profeta Isaías:
a promessa afinal se cumpriu, aleluia!

domingo, 24 de dezembro de 2017

Mas no final a poesia vencerá




Corte de verba da educação,
redução de investimentos,
fechamento de hospitais,
economia de mercado,
jogo com baralho marcado,
marche, ordinário,
ordem e retrocesso,
déficit social, superávit primário.
No governo da oligarquia
não tem vez para a poesia.

Pausa para balanço



Na rua dos prédios intimidadores
tem uma estreita viela
que acaba em um quintal
onde pode-se notar uma pitangueira,
um limoeiro, roseiras
e uma goiabeira com um balanço.
E no balanço tem uma criança que brinca
de vai e vem sobre o planeta.


Recorte de documento antigo




Saibam quantos o presente edital virem
ou dele conhecimento tiverem,
que pretendem casar-se,
ele, José de Tal,
nascido aos 15/08/1913,
nacionalidade brasileira,
nascido, residente e domiciliado
neste município;
ela, Maria das Mercês,
nascida aos 03/07/1920,
nacionalidade brasileira,
nascida, residente e domiciliada
nesta freguesia...
e o resto virou poesia.


quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Mudando o destino










Lagarta que assusta
vira borboleta que encanta;
pororoca faz o rio correr ao contrário;
ostra ferida
produz pérola para não sentir dor;
a vida vence a morte: ressurreição;
Davi enfrentou Golias;
bem-te-vi bate no gavião;
besouro não foi feito pra voar,
mas, na boa, ele voa.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Eu estava lá



Naquele tempo o mundo era das crianças
e as mães as deixavam brincar
em grupo ou a sós com o anjo da guarda,
então o menino desceu a estrada da praia
e chegou à capela de S. João
de frente para a baía da Fortaleza,
e ficou admirando o Atlântico.
No mar tinha um cardume de sardinhas se deslocando,
atrás delas os botos fazendo evoluções
como um balé ensaiado
e gaivotas que se atiravam às ondas, suicidas,
que nada, foram mergulhos
para deixarem o menino maravilhado.







Céu nos olhos




Fabiano Lopes, meu bisavô,
de tanto cismar com os mistérios
e ficar olhando as nuvens
para tentar flagrar os anjos
na brincadeira de esconder
entre os estratos e os cúmulos
nunca viu nenhum deles no céu
porque estava sempre com os pés no chão.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Má pedagogia





Se as origens não fossem tão humildes,
o rumo da vida do menino
já estaria traçado desde o berço
casa-escola-emprego-sucesso
e nada ficaria no improviso
como de fato aconteceu:
andou, tropeçou, catou os cacos,
reergueu-se, caiu acolá
até acertar o caminho por outras vias.
Aprender com as quedas
é a pior das pedagogias.


Palavras em nheengatu


O mais analfabeto dos meus avós
sabia costurar rede de pesca,
sabia onde o peixe se escondia
e conhecia-os todos pelos nomes,
gornia o cabo de içar os panos
para a canoa correr no vento
e usava palavras proibidas
pelo decreto do Marquês do Pombal:
charungo é armadilha para tatu,
tacuruba é fogão rústico,
carapirá é o pássaro fragata
e com ele aprendi
que taturana não existe,
o certo é tatarana.


segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Poema para Ana Maria















Qualquer dia desses
eu gostaria que você acordasse, de novo,
menina que reparava nas flores e nas borboletas,
e nunca nas pedras que haviam no caminho.
Que contava histórias de viagens
e lugares que conheceria
enquanto somava os trocados
para comprar um enfeite para os cabelos,
como se pudesse melhorar
o que já estava perfeito.
Que colocava um LP para tocar
e dançava até depois
que a música já tinha terminado.
Eu gostava, mana, quando havia
um pouco do mundo da lua
na rotina do dia-a-dia.






sábado, 2 de dezembro de 2017

Elegia











Meus amigos, minhas amigas,
vocês repararam que nos últimos dias
o tempo esteve chuvoso e tristonho?
Alguém ouviu alguma catira,
fandango, toada de congada,
alguém ouviu algum passarinho cantar?
É que anteontem
arrebentou a última corda da viola
do mestre Benedito Fernandes de Cristo.
Chorem de saudades, amados meus,
mas fiquem sabendo que um clarão de sol
acabou de avisar
que Benedito Fernandes já foi presenteado
com uma nova viola por São Gonçalo do Amarante
e já está ensaiando um novo ponteado.
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