Consertando peixes

O novo Padre que veio do estrangeiro
ficou muito admirado
quando eu informei
que minha Avó estava no rio
consertando peixes.
(Tem gente que não acredita,
mas na beira do mar
a gente aprende desde cedo
a consertar peixes).
E ficou por curiosidade esperando na sala
até que Vovó chegou com o balaio de pescados
todos devidamente consertados
e logo estava feita uma caldeirada,
acompanhada do devido pirão
com o cheiro do tempero a tresandar
que até fez o padre pecar
ao quebrar seu jejum quaresmal:
modéstia à parte, quanto aos peixes,
minha Avó mais do que consertava,
ela os aperfeiçoava.

História de Isolina

Isolina, neta de Francisco Cabral,
é por livre e espontânea vontade
que vós estais deixando a brisa do mar,
a areia da praia,o pirão de peixe,a festa das gaivotas,
a raiz da família,a história de sua terra,
 por marido e nova vida
em Cunha do alto da serra?
Isolina Cabral,
vós acreditais que a força do verbo amar
é mais forte que o mar?

No outro lado do sono

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A criança despertou
após um bom sono com sonhos aventurosos
acompanhado de seu urso preferido
e resolveu levantar em silêncio
para não perturbar o descanso merecido
do companheiro adormecido.
Penso eu que o urso de pelúcia continuou aventurando
a transpor vales, a pescar em rios limpos
que depois em lagos se transformam…
E que, assim, continuou a construção
do universo paralelo onde os sonhos se formam.

Boas práticas reais

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É facultativo aos reis terem
cetro, coroa e manto.
Porém, o cultivo de uma barba
é peremptoriamente obrigatório,
de preferência igual a Pedro II,
um exemplo para o mundo.

Viagem sideral

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Os sábios dizem
que o planeta rotaciona
a 1700 km por hora,
que faz a translação em volta do Sol
a 170.000 km por hora
e a quase 1 milhão de km por hora
em torno da Via Láctea.
um número que nos dá vertigem
e nos deixa cismados
sobre onde iremos parar.
Sobre tanta ciência e filosofia,
mais sábio era José Almiro (meu avô)
que nessas ocasiões dizia:
- Ora, deixemos de bobagem
e vamos apreciar a viagem.

Estilo caiçara

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Minha família era dona
de um pedaço (o melhor) do mundo.
Metade era para o bananal,
noutra metade do (nosso) universo
a gente plantava maniva
pra colher mandioca.
Da mandioca vinha a farinha,
da farinha vinha o pirão de peixe,
o tutu de feijão, a farofa
e os beijus que davam sustança
para tanta vida e fé
(até onde a memória alcança).

Tempus fugit

Quem souber que dê notícias:

dos antigos leiteiros

que entregavam o leite

em garrafas de vidros

aos domicílios;

dos ceguinhos

e seus inseparáveis violões

fazendo escambo de músicas

por pouso e almoço;

dos mascates e suas malas

com cortes de panos,

tesouras de unhas

e  outros artigos

de primeira necessidade

para damas e cavalheiros

de fino trato.

Redemoinho

Entre tantas indecisões
que ocorrem com o tempo
nas mudanças de estações,
um pé-de-vento
perdeu-se por um momento
na curva da estrada
e ficou rodopiando
no quintal de casa:
jogou para o alto
as folhas secas,
sujou as roupas do varal
com a poeira do terreiro
e depois sumiu de cena
igual menino arteiro.

Poesia para o menino Régis

Muita atenção:
o capim-melado
serve apenas de morada
para o bicho preá
e não se come com torrada.

O capim-santo
é santo de casa
que faz o milagre
de dar à gente nervosa
uma cara mais alegre.

E não se engane pelo nome
o capim arranha-gato
arranha gente também.
Senti na pele esse fato.

Era tudo brincadeira

Minha infância foi tão antigamente

(e pobre)

que não conheci televisão,

videogame ou internet.

Nossos brinquedos e brincadeiras eram

sapatos de lata de leite,

carrinhos de lata,

barquinhos de caixeta,

corda de pular,

jogo de miriguitos,

pernas-de-pau,

pipa, pião, peteca,

estátua, mãe-da-rua,

joão-bobo, vivo-morto,

queimada, futebol, passa-anel,

cabra-cega,

beijo-abraço-aperto de mão, cansei.

Minha infância foi tão antigamente

(e rica).

Poesia na biologia

Eles têm nomes parecidos

e ambos vivem no mato,

porém não há nenhum parentesco

entre a lagarta e o lagarto.

Mas todo mundo pode perceber

que a lagartixa diante do lagarto

é um caso de miniaturização,

acho que do Japão.

Desafio

É fácil lançar

paus, pedras, bombas,

ofensas, lanças, flechas, obus…

Quero ver quem tem coragem

de atirar flores e beijos.

No País Oceano

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Esses pescadores, esses marinheiros,

esses trabalhadores do mar,

não há muros que os prendam,

não há cerca que os contenham,

não há âncoras que os segurem

para viver vida sofrida, pois,

já que é preciso viver,

vivem de cabeças e velas erguidas,

já que é preciso ter um ofício,

colhem, ano após ano,

os frutos na seara do mar

e seu país é o oceano.

Borrão na tela

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Uma paisagem toda verde
com uma pincelada de vermelho,
se não for tela de artista,
então é tié-sangue na copa de uma árvore
tal qual pintura impressionista.

E.F. Taubaté-Ubatuba

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Uma estrada de ferro
começou a ser construída
entre Taubaté e Ubatuba
no último quartel do século XIX
e ainda não foi concluída.
Havia tantos morros e vales para atravessar
e tantos rios e serras para romper
que a companhia faliu
e hoje só transporta
artistas de vaudeville,
generais barbudos,
senhorinhas casadoiras,
barões do império,
das regiões da memória
para a estação do mistério.

Memória em cores

É com a poesia
que dou colorido às lembranças
só pra não desbotar
igual fotografia antiga
que amarelece
conforme a gente cresce.

Crianças no mar

As crianças analfabetas de mar
ficam sideradas diante do oceano
quando o avistam pela primeira vez
e fazem perguntas curiosas:
- Quem chacolha o mar para fazer as ondas?
- Por que ele não entorna?
- Quem jogou sal nas águas?
- É verdade que tem barco de ferro
e que ele não afunda?
- Caranguejo é parente da aranha?
- Mas a baleia com aquela cara de peixe
não é peixe de verdade?
- Dá para escutar daqui as marteladas
do tubarão-martelo?

Memória sob cerração

Os anos depositaram
camadas de névoas
sobre as lembranças
que guardo de Norminha:
sardas, tranças no cabelo,
uma esquecida música e
trejeitos de aprendiz de artista,
que a pátina do tempo transformou
em quadro impressionista.

Nunca convide uma centopeia para um baile

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Para Dulce, com amor.

Na baile inaugural da primavera
foram todos os bichinhos do jardim
com exceção de dona centopeia
que chegou depois do fim
só porque teve a má ideia
de comprar sapatos com cadarços
e não teve tempo
pra amarrar todos os laços.

Ave abstrata?

- Menino,
dê um exemplo de substantivo abstrato!
- Muito fácil, professora,
é uma coisa que existe mas não dá pra ver,
tipo periquito verde, verde, verde
em uma árvore toda verde

Código morse

Eu quero ir pra escola
que ensina a decifrar
o barulhinho dos grilos
irradiando código morse,
só pra saber, criatura,
as últimas notícias do campeonato
do salto em altura.

Não tinha jabutis nas esquinas

Jabuticaba significa fruto do jabuti
e imagino o banquete que esses bichos faziam,
antigamente, debaixo das jabuticabeiras.
Mas isso foi muito tempo atrás
quando o mundo era dos tupinambás
e era comum topar com jabutis,
jabuticabas e jabuticabeiras
em qualquer esquina dobrada…
mas nem esquina tinha sido inventada.

Voo ao vento

Meu vizinho é tantã,
ele fica olhando estranho pra mim
quando converso com os cachorros,
faço cafuné nos gatos,
assovio respondendo aos passarinhos,
danço na chuva
e tento levantar voo ao vento.
Quero ver a cara dele
quando conseguir o meu intento.

Parônimos

É preciso muita atenção
pra não fazer confusão
de apóstrofo com apóstolo,
de cavalheiro com cavaleiro,
de peão com pião,
de vadiar com vadear.

E teve o caso, por exemplo,
de um parente, muito cordato,
(por isso achei tudo muito incrível)
que saiu pra comprar um fuzil…
e voltou com um fusível.

Ou Rogé, o artista,
que seguiu à risca as instruções
para uma festa social,
vestiu terno e sapatos
e só veio a se enganar
quando no lugar da gravata
pendurou uma folha de gravatá.

Sem brincadeira

Chega de brincadeira,
guarde essa bola,
passe pra dentro de casa
e saia do quintal do planeta
porque algum irresponsável
deixou a camada de ozônio aberta
e deixou entrar o raio ultravioleta.

Já dizia Dona Eugênia

Brincos de princesa,
estrelitzias,
câmpanulas ao vento,
flor do japão,
açucena, flor de lis,
chuva de ouro…
quem tem um jardim
tem um tesouro.

O caso do Dicionário rex

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Em trabalhos escolares aparece cada uma:
na exposição de animais extintos
do mesozóico apareceram
tricerátopo, velociraptor,
titanossauro, tiranossauro,
arqueoptérix, ictiossauro,
pterossauro,braquiossauro
e um animal curioso
que eu ainda não conhecia -
o (sic) dicionário rex.
E o aluno Victor levou zero,
dura lex sed lex.

Tem poesia na brincadeira

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Criança é um fenômeno,
quando Claudinha foi achada
no jogo de esconder
saiu do esconderijo reclamando
que foi dedurada
por um passarinho.
- Como é, como assim?
- Aquele amarelo
dizendo bem-te-vi, te-vi.

O menino que não aprendeu a chorar

- Perguntei pra um menino
(Cauã, meu pequeno vizinho)
o por quê de ele sempre rir,
mesmo estando sozinho,
que começa como quem tem cócegas
e, se a gente não se controlar,
acaba rindo também?
Ele não soube o que responder,
mas, desconfio que ele é uma dessas
raras crianças
a quem não foi ensinado a chorar.

Voo mais alto

Foi de tanto treinar para ser pássaro
e sonhar com os mais acrobáticos voos
que subiu aos ares o primeiro peixe-voador;
foi pela paixão às estrelas
e o não-conformismo com a escuridão
que o vagalume descobriu sua aptidão
e por esses precedentes,
que não se pode de todo explicar,
foi que se transformou em anjo
a Madre Teresa de Calcutá.

Fábula

A lagarta-mandorová começou a ficar
misteriosa, enigmática e monossilábica,
até que um dia trancou as portas de casa-casulo,
fincou no quintal uma tabuleta
pedindo o favor de não ser incomodada
para afastar qualquer xereta
e pegou todos de surpresa
quando ressurgiu admirável borboleta.

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Mensagem de longe

O passarinho batuíra
Eterno migrante
Fugitivo do frio
Mede a praia
Em passos bem contados
E aos caiçaras
Trouxe o recado
De pingüins
e jubartes
que vivem no reino polar:
Todo o ouro do mundo
Não compra o calor de um lar.

Na rota de Gil Eanes

Eu quero cortar os cabos
De minha vida ancorada
E partir para navegar
Eu não quero casa
Eu desejo estar no mar
Eu não quero rotina
Eu desejo navegar.
Quero perseguir
A estrela do caçador
E ver o que tem além
Do Cabo Bojador.

Riquezas

Na lista dos bilionários da Revista Forbes
não aparece o nome de Seu Antônio de Souza
que tem a fortuna de uma casa rente à praia
e que também serve de rancho para sua canoa.
Ele tem a riqueza de um quintal com fruteiras,
chamariz para as visitas
das saíras que usam esmeraldas
e dos tiés reais que só vestem púrpura.
A simplicidade de sua casa de pescador
guarda um retrato de Nosso Senhor
com a frase “Jesus, eu confio em ti”.
Não há homem mais rico
desde Ubatuba até Parati.

Aonde foi o Evaldo?

Cadê Evaldo, o bardo,
que canta a história verídica e inventada
dos caiçaras de Ubatuba?
Há quem o tenha visto
ponteando viola em noite estrelada,
outros o viram com o pé na estrada,
ou, então, que está enfurnado no sertão
tomando lição de canto com os sabiás.
Sumiu Evaldo, de apelido Bado,
que na porta de casa deixou só uma nota:
fui aprender a linguagem dos pássaros,
só volto poliglota.

A bicicleta do rei

Carlos XVI do reino gelado da Suécia
visitou Ubatuba trinta anos passados
e pedalou de bicicleta pelas praias até se cansar.
Nas alturas do Perequê-Mirim
bateu na porta de uma casa,
pediu água, ganhou café feito na hora
e um pedaço de bolo de fubá.
Ficou com preguiça, agradeceu a acolhida,
ligou para alguém buscá-lo
(cansou de ser atleta)
e deixou para a dona da casa
a sua bicicleta.

Semeador

Igual ao semeador da parábola
vou lançando as sementes,
umas caem entre as pedras,
outras no deserto,
na esperança de que
algumas acertem os corações
e produzam beijos, amores-perfeitos,
buquês-de-noiva,
uma ou outra avenca
e, quem sabe,
um pé de dinheiro-em-penca.

Praia de tombo

Sugestão para a Prefeitura:
nas praias perigosas
nem precisa pôr bandeira vermelha.
É só escrever na tabuleta
que é uma praia de tombo
com um desenho de um banhista
de pernas para o ar
e ao largo um cardume
de golfinhos a gargalhar.

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