quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Desequilíbrio

 

Antigamente o tempo era dividido direitinho

entre a claridade do dia e a escuridão da noite.

A luz iluminava os seres humanos e seus ofícios,

que, de tanto elucubração,

inventaram archotes, lâmpadas a óleo, lampiões de gás,

luz elétrica e foram avançando

sobre os domínios das sombras,

chegando ao ponto de  não restar aos boitatás

senão o refúgio no espaço das lendas.

sábado, 6 de novembro de 2021

No coração das estrelas

 


Eu aqui vou ouvindo histórias, palavras, músicas

que guardo na memória,

para, quiçá, formar outras histórias.

Se novas histórias não se formarem, não tem problema,

sei marear o barco nos piores ventos,

e sempre dá para construir um novo poema...

No coração das estrelas é que se formam os novos elementos.


terça-feira, 26 de outubro de 2021

Nos tempos da prática da poesia


Do sul do mundo vêm chuvas e ventos fortes
de quebrar galhos de árvores nas serranias,
arrepiar as folhas dos coqueiros,
ludibriar a meteorologia
e assustar a criação no quintal.
Mas, aqui tudo está normal,
não tememos a ventania e,
desde que Vovó Martinha acendeu a palha benta
e fez a oração de Santa Bárbara,
nos anos de mil novecentos e setenta,
estamos bem seguros em terra,
não aconteceu mais o dilúvio, não desabou mais a Serra.













terça-feira, 21 de setembro de 2021

Gênese caiçara

Um de meus avós, sem brincadeira,

chegou aqui e conheceu a farinha da terra,

a banana da terra e o canto do canário da terra,

então resolveu esquecer Portugal e suas parcimônias,

rasgou a certidão de nascimento e sem mais cerimônias

tratou de arranjar uma tupinambá, 

minha antepassada, Vó Dina,

que ensinou tudo o que a gente sabe,

de remédios da mata às técnicas de pescar.


Parem os psicopatas do desmatamento já!


Eu, meu pensamento e mais o que o vento traz:

idiomas de pássaros, 

rios contando sobre as chuvas no alto da serra,

histórias antigas de árvores e bichos

que os avozinhos também já tinham ouvido...

Ninguém fica solitário nas latitudes tropicais,

já os ventos dos desertos falam só a língua

das pedras e areais.


domingo, 12 de setembro de 2021

História do vento forte


A ventania de ontem me trouxe a história 
de quem teve a sorte de nascer
entre mar e mata de restinga,
onde há ranchos de canoas,
casinhas de caiçaras,
muita criação nos quintais
e mais as crianças de pés no chão,
que as mães têm que chamar pelos nomes:
Ana Maria! Eugênia! João!
para lembrar a hora de almoçar
e de tomar banho para ir à escola
para saber um pouco a mais todo dia
e crescer em graça e sabedoria.
É o vento forte que traduz melhor
o sentido das palavras que vêm
de muito, muito longe.



domingo, 22 de agosto de 2021

Homenagem a uma vovó caiçara

Rosas da Arábia,
Kanangas do Japão,
Lírios da França,
Hibiscos do Havaí,
O ipê  é brasileiro...
Tem gente que acumula ouro,
Vovó só queria só
as flores do mundo inteiro.

Cores tropicais



Mar azul, areia branca,

cabelos lisos e escuros, pele morena,

serra verde, café preto, bananas amarelas,

farinha de mandioca tem que ser torrada,

mulheres dos olhos verdes, todas elas minhas parentes

e não há cor nenhuma nos rios de águas transparentes.




sábado, 21 de agosto de 2021

Avó das flores

 


Pensa em um curta planície toda praia e restinga

entre os esporões da Serra do Mar,

pensa em uma casa branca e azul

no meio de um pomar,

pensa em cafeeiros, bananeiras,

aqui um limoeiro, adiante duas jabuticabeiras,

pensa em detalhes como um jardim

frequentado por colibris, borboletas

e criaturas celestes em geral,

pensa em uma avózinha querendo aperfeiçoar

a natureza com mais perfumes e cores,

que plantou uma flor-trepadeira no pé do coqueiro

que subiu, subiu e encheu o céu de flores.




 

Para Malala Yousafzai, de um professor brasileiro.

Quando tudo parecia perdido,

quando as trevas venciam a luz

e a ignorância atacava a ciência,

eis que surge uma adolescente

e, com toda sua fragilidade e inocência,

assesta um golpe profundo na violência.

Obrigado, Deus de Amor,

meu Deus e Deus de Malala,

foi mais uma lição para a gente,

nem a força de uma bala

transpassa um coração valente.

Quem disse que as meninas não podem estudar?

Estudar é perigoso, faz o injustiçado acordar

a leitura burila a mente e deixa a pessoa consciente.

O que mete medo na vilania

é que a educação e conhecimento

podem desvendar uma alma vazia.


 


sexta-feira, 30 de julho de 2021

Cuidados necessários (para Larissa)


Vou tirar as ervas daninhas do jardim,
depois tirar tudo que tem espinhos,
ficarão os lírios, sairão os delírios,
vou fazer igual Larissa Peres,
expurgar todos os males
e deixar só os bem-me-queres.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Plantando na terra, colhendo no mar











Na geografia da memória,
minha casa de infância está entre o mar,
a serra e a vida da mata atlântica.
Crianças, cachorros, galinhas, patos,
pássaros, caxinguelês, gambás,
fazíamos balbúrdia no terreiro.
Nós aprendíamos brincadeiras em grupos
com brinquedos feitos por nós mesmos:
bolas de pano, pipas, balanços, carros de latas,
barquinhos de madeira leve...
Nunca aprendemos a fazer nada sozinhos
e éramos acostumados à amplidão,
talvez seja por isso que muitos de nós
não se adaptaram à era da solidão.








terça-feira, 13 de julho de 2021

Valente, meu barco









Quando crescer eu vou comprar um barco à vela

para me levar aonde o vento sopra,

vou pintá-lo de nuvens e ondas

e chamá-lo de valente.

Vou deixar de bobagem,

navegar só de cabotagem,

ter amigos em cada porto,

pescar o peixe grande e soltar o filhote,

assistir o espetáculo dos golfinhos,

respeitar os sinais dos tempos,

fugir das tempestades,

e ter tenência das coisas,

pois, como disse vovô José:

"escute e veja se não erra,

o pior dos tubarões

muitas vezes está em terra".





segunda-feira, 14 de junho de 2021

Poesia não escrita









 No tempo em que lá em casa

Não se escrevia,

Mas se praticava poesia,

Vovó costurou uma blusinha

para um franguinho doentio transido de frio.

Foi o tempo de repô-lo no quintal

E o gavião catar o bichinho,

Mas ficou só com a flanela

E deixou na Terra um escarcéu

De pinto que pia

De neto que berra

De avó que se ria.




domingo, 13 de junho de 2021

No meu país









Quem ultrapassou as alturas

Não quer voltar ao chão

Quem conheceu o céu

Não se limita à Terra

Quem provou das liberdades

Quer que vá para o inferno

O ditador e suas maldades.

No meu país ideal, aliás,

Fechará a escola superior de guerra

E abrirá a escola superior de paz.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Vida caiçara


 
A história de quem nasce aqui

começa com o pé no mar

até tomar intimidades

e pular nas ondas, mergulhar no mar

e se benzer com água do mar.

E conforme cresce em idade e experiência,

ao mesmo tempo vai tomando ciência

em manejar o remo, em costurar a rede,

e adquire a sabedoria dos nomes dos peixes,

da força dos ventos, dos humores do mar,

dos sinais dos tempos,

até merecer a distinção mais cara

de ser, no trabalho e na cultura,

mestre em tradição caiçara.

Antigos significados

 

Os caiçaras mais velhos eram analfabetos,

mas antigamente a leitura era outra,
os signos eram outros.
Liam-se os sinais do tempo no comportamento do mar,
na direção do vento, na cor do pôr-do-sol.
Sabia-se das plantas conforme suas serventias
e elas eram conhecidas pelos nomes
como se fossem velhas amigas.
Liam-se as pessoas conforme o coração.
Liam-se os animais pelos respectivos sinais,
já os pássaros eram conhecidos
principalmente pelos ouvidos.
Cada pássaro com seu canto,
cada vivente com seu encanto.

Casa de caiçara

 

Houve um tempo em que minha casa

era de pau-a-pique no morro sobre o oceano
e eu era muito rico,
porque maravilhas aconteciam sob a minha janela:
os botos brincavam de pega-pega na Baía da Fortaleza,
as fragatas planavam ao sopro do vento leste,
a Ilha Vitória aparecia e desaparecia
conforme as condições do tempo,
os barcos faziam complicadas manobras
para atracar ou para zarpar,
muralhas de nuvens erguiam-se sobre a Ilha Bela
anunciando a frente fria
e nenhum dia era igual ao outro.
As janelas da minha casa,
naquela época não sabia,
abriam-se para a poesia.

Inventário de meus avós maternos

 


Tem bananal que sobe e desce morros,

pomar de todas as frutas,

casa de telhas de barro feitas nas coxas,

sala de chão assoalhado

de dançar a chiba e fazer o baile,

rádio de ondas curtas

pra pegar todas as emissoras do planeta

na antena de fio de cobre instalada sobre o telhado.

Na cozinha tem farinha no barril

e muitos quilos de sal

guardados sob o calor do fogão à lenha.

Têm casa de farinha com roda de ralar, prensa de fuso,

cocho, gamelas de madeira e forno com tacho de cobre,

pra deixar a farinha torradinha, farinha boa, farinha da terra.

No quintal tem café secando ao sol, peixes secando no jirau,

dezenas de galinhas, patos e alguns perus.

Tem uma jabuticabeira carregada de frutas

E uma vovó que sempre nos lembrava

para deixar um pouco para os passarinhos,

Vovó era assim, não lia nem escrevia,

Então falava poesia.


Nova lição

 

Quando vovô perguntou
o que eu tinha aprendido
naquele dia na escola,
eu respondi que a professora ensinou
que a baleia é mamífero
e não peixe como eu pensava.
- Mas não fique triste,
consolou-me o avozinho,
com aquela cara de peixe
a qualquer um ela enganava.

No quintal de meus avós

Estou na esteira sonhando
com a lembrança do quintal
de Seu José e Dona Eugênia:
Roupas, Peixes e grãos de café secando ao sol,
lenha empilhada à espera do machado,
galinhas e patos no terreiro
que vai até uma pequena queda d’água
suficientemente generosa para sustentar
guaru-guarus, camarões, rãs,
cobras d’água, cafulas
e matar a sede de curiosidades
das crianças de casa e arrabaldes.

Trilha caiçara

 

Uma trilha feita pelos pés inicia-se na casa de pau-a-pique,
passa sob as árvores carregadas de frutos,
passarinhos, gaiolas de alçapão,
meninas de tranças, meninos de pés no chão,
ranchos de canoas, casas de farinha,
sapos na gamboa,
criação de patos e galinhas,
amendoeiras de raízes expostas,
pessoas com as almas expostas,
pescados às dezenas, aos centos
e continua a trilha
no recôndito dos sentimentos.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

10 coisinhas para deixar profs felizes


 Feriado prolongado. Café saboroso no intervalo. Encontrar o guarda-chuva perdido. Ganhar livro bom de presente. Chocolate em dia frio. Refresco gelado em dia quente. Ouvir uma piada bem hilária. Saldo positivo em conta bancária. Perder menos tempo com problemas. Ter mais tempo para poemas.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Escola de pescadores

 

Desde pequeno,

como se fosse brincadeira de criança,

ajudava meu avô a puxar rede

e receber os presentes do mar :

cação-viola,

treme-treme,

água-viva,

camarão-rosa,

peixe-voador,

siri-candeia,

peixe-tapa

e outros espantos.

Boas notícias

 

O vento leste com pressa de tormenta

correu sobre o mar só para contar às orelhas de pau

- tem ao menos uma em cada árvore do meu quintal -

que a primavera acabou de atravessar

a linha equinocial.

Bem-aventuranças

 

Desde pequeno eu pude

sentir o cheiro do mar

trazido pelo vento leste,

o gosto do coentro bravo

no caldo de peixe

com banana verde,

o sabor do biju de farinha

assado na hora e

o sabor do limão cravo e

da alfavaca no cação refogado.

E não há nada que apague

de minha memória

o aroma da banana assada no fogão a lenha,

do café torrado na panela de ferro

e da batata doce preparada

na fogueira de São João,

padroeiro da Praia de Fortaleza.

Belvedere

 

Não havia lugar para nós na praia,

por isso fomos morar no morro

de onde se podia avistar

toda a baía da Fortaleza,

o parcel do Mar Virado,

a coreografia dos botos,

o frio vindo do sul,

a Ilha Vitória

e os navios que deixavam sinais de fumaça

antes de se perderem no horizonte. 

domingo, 11 de abril de 2021

A verdadeira sabedoria

Estudei em muitas escolas,
li muitos livros,
aprendi a enfileirar palavras,
a repetir a enciclopédia
e fiquei muito prosa,
até descobrir
que Tia Aninha benzedeira,
sem escrita e nem leitura,
somente com suas orações,
aprendeu a ler as pessoas
e o estado de seus corações.

Do jardim de Vovó Eugênia

 


Na casa de Vovó Eugênia
havia o mais bonito jardim
com as mais belas flores
admirado por mim
e bem frequentado
pelos especialistas conhecedores:
as abelhas, as borboletas,
as mariquitas e os beija-flores.

 

 

Homenagem ao Tio Tonico

 

Entre constelações de estrelas do mar
e revoadas de peixes-voadores e carapirás,
parte a derradeira viagem
do barco que tem São Pedro à proa
e conduz quem pescou o peixe,
mas soltou o filhote,
e quem se benzeu com a água benta do mar
antes de sair para pescar.



Poesia de menino de praia

 

Por causa do muito frio e neblina,
a madrugada estendeu-se 
além de seus limites
e trouxe com a cerração,
de trinta anos passados,
o eco da buzina da traineira Taurus
com o aviso de partida
para o porto de São Pedro:Viagem só de ida.

terça-feira, 6 de abril de 2021

Até parece poesia

 

São Francisco falou com os bichos,
São José de Cupertino andou nos ares,
Santa Clara de Assis enxergava à distância,
Santo Pio de Pieltrecina desviou bombas no ar,
São Paulo ressuscitou um jovem,
Santa Rita de Cássia conversou com anjos.
São Simão do Egito fez a montanha mover,
São Pedro curou um coxo,
São João Bosco multiplicou pães
e Santa Bernardete virou bela adormecida.
E ainda há quem diga
não ter espaço pra poesia
na rotina do dia-a-dia.

Estrelas ao alcance da mão

 

Qual é a árvore que dá estrelas?
É o pé de carambolas, ora bolas.
Quem duvida que colha uma fruta
e corte-a em fatias para ter, então,
uma bela constelação.

Jabuticabeira é coisa nossa

 

Goiabeiras, laranjeiras,

coqueiros, parreiras,

foram obras de Deus criador.

Já a jabuticabeira

com frutos em toda a extensão,

desde os galhos mais altos

até ao caule ao rés do chão,

decerto foi arte do menino Jesus

na Terra de Santa Cruz.

Paisagens de nostalgias

 

Uma revoada de pássaros levanta voo
de partida para sua casa de inverno.
Onde?
Uma pessoa colhe flores
e ajeita um ramalhete de presente.
Pra quem?
Um retrato na parede mira distante.
O quê?
Uma nostalgia mansinha
tá querendo me pegar.
Por que?

sábado, 3 de abril de 2021

Antigamente

 


Eram os Reis Magos que nos traziam presentes:
boneco desengoçado, corda de pular,
pião carrapeta, balanço na goiabeira,
canoa de caixeta, carrinho de madeira.
Mas chegou o Papai Noel que expulsou os Reis Magos
e acabou-se a brincadeira.

Café com garapa

 

Meu avô plantava café
para depois secar, peneirar e torrar.
Plantava cana de açúcar,
para cortar, moer e fazer garapa.
Plantava mandioca,
pra ralar, prensar,
torrar e fazer farinha
que com garapa e café,
até hoje dão sustância
para meus versos e minha fé.

Carta de Santos

 

A bênção pai, a bênção mãe,
espero que esta os encontre
com saúde.
Depois de carregar cargas
e mais cargas de café,
me tornei taifeiro, 
auxilio, oriento, recebo
e despacho, navios e passageiros.
Mas o que gosto mesmo é de ajudar as senhorinhas
a descerem dos navios,
algumas são tão delicadas,
são tão leves ao desembarcar
que ninguém acreditaria
o quanto pesam nos meus pensamentos.
Preciso me casar.

Agenda de passarinho

 

De manhãzinha escutei
o bem-te-vi assoviar
suas obrigações de hoje,
coisas banais de passarinho:
visitar as árvores fruteiras,
tomar lições de canto,
exibir acrobacias aéreas
e namorar um tanto.
Bem-te-vi, assoviou, ainda,
acho que só pra me alegrar,
que sempre bem me verá.

Amor saudável

  


Minha namorada é vegetariana
e ela me beija, me ameixa,
me faz um carinho,
uma salada de frutas e pergunta:
- Que couve?

 

 

segunda-feira, 29 de março de 2021

Amarras

 

Reparem bem

nas casas antigas:

como são bem construídas

com telhados centenários,

de madeira bem ajustadas

por grandes travas, pregos,

mais as teias das aranhas

feitas com muita paciência,

que justamente é o segredo

de tanta resistência.

Ambrosia

 

Vovó fazia um pirão tão bom

Com garoupa e coentro

Cujo cheiro subia pela chaminé

E chegava até ao céu

Com tão agradável odor

Que, Nosso Senhor,

cedo, para lá a levou.

Além da viagem

 

No começo não tinha estradas

e a gente ia aos lugares

por trilhas centenárias

feitas em primeiro lugar

pelos bichos que andam em carreira:

caititu, paca, tapir, formiga de correição…

A gente ia mais longe antigamente

porque viajava a pé.

Alegria no mar

 

Espio as nuvens arrastadas

pelos ventos

que vão despejando

chuva no mar,

como se estivessem regando

um jardim.

E acho que por milagre

brotam botos,

contentes toda a vida,

aos saltos e trambolhões,

achando graça,

salvo engano,

só porque a chuva

está lavando o oceano.

Aldeia Global


 


Meu avô colhia café, banana e feijão,
que rendiam arroz, carne de charque
e pilhas pro rádio de ondas curtas
que captava a rádio tupi
e a globo-bo-bo do Rio de Janeiro.

A cobra caninana

 

 

Quando a escolinha

agrupada do primeiro grau

da praia da Fortaleza

era no sopé do morro,

no meio do bananal,

uma cobra caninana

foi se enrodilhar

entre os caibros do telhado

para aprender o beabá.

Mas acabou sendo expulsa,

tão logo foi notada,

porque não estava inscrita

no livro de chamada.

Abaetê Tupi

 


 

Onde foi parar o tamoio

que morava aqui?

Parte fugiu para o norte

e parte continua nos costumes,

nas técnicas de pesca e de agricultura,

nos nomes das plantas, de animais, de lugares

e no sangue dos caiçaras.

Minha avó dizia: esse curumim tá muito aíbo,

só come um cuí de comida.

Quem for tupinambá que entenda.

A benzedeira Tia Aninha morreu

 


 

Quem vai continuar

a receitar padre-nosso

e emplastro de plumera

para machucados e feridas?

Quem vai puxar a novena

e o ponto de caramelo

para adoçar a vida?

Quem vai dar lições

de mistérios e orações

em terços de capiá?

Quem vai abrir o véu

e explicar pra gente

sobre os assuntos do céu?

Poeminha caiçara

 Antes do Progresso  

a simplicidade

estava em voga,

até as doenças

eram simples

e as pessoas sofriam

de quebranto,

defluxo,

dor nas cadeiras,

espinhela caída,

paixão recolhida,

e golpe de vento

era cama na certa. 

sexta-feira, 12 de março de 2021

Menina de rio e mar

 Para Lu Fragoso



A estrada mais linda 

que ligava minha casa ao mar 

era rio abaixo na canoa de meu avô

que ia nos dizendo os nomes

das árvores, peixes, aves e, 

de vez em quando, até poesia,

enquanto remava a canoa: 

- "Olha, minha filha,  borboleta é uma flor que voa."