quinta-feira, 31 de julho de 2025

Pescando canção

 

Foi em canoa caiçara lavrada em enxó
que ganhei tenência do mundo
e deixei de ser só.
Foi tenteando bem o fundo
dos mares do mundo,
foi procurando guarida
para as tempestades da vida.
Foi em canoa de vela enfunada
no sopro da viração,
que cheguei de mansinho
no remanso de seu coração.
Foi em canoa caiçara 
tocada por braços fortes
e por vela de traquete também,
para chegar mais rápido
aos braços de meu bem.

Previsão do tempo


Tem uma tormenta se aprontando no mar de fora,
tem uma tempestade se gestando
enrodilhada num ninho de nuvens
para chegar às desoras
quando todo mundo estiver desavisado,
menos o caiçara de fé e razão,
que já tratou de recolher as redes,
de pôr a canoa no rancho
e de fazer o sinal bento
ao ver o rubro do céu anunciar
que aí vem um exagero de vento.

Rio Tietê

 

Antigamente havia muita onça

que vinha beber água nesse rio,

ela chegava de mansinho,

matava a sede, dava um pulo

e sumia no meio do mato.

Sim, a onça sumiu,

do mato não se têm notícias

e o que aconteceu com esse rio?

Poesia para Paulinha

 

As casas da Praia dos Sonhos são bangalôs

reforçadas por plantas trepadeiras

que em época de floração, que beleza,

faz cada morada virar um buquê.

Eu quero escolher

uma com brincos de princesa,

só para oferecer a você.

terça-feira, 29 de julho de 2025

Navegar é quase voar


Ao mar ninguém pode pôr fronteiras 
e nem construir porteiras,
se construírem muro de pedras,
as ondas lá vão arrancar.
pois chão pode ter proprietário,
mas ninguém é dono do mar.

Ninguém é dono do mar
Nem os pescadores  que dizem
que navegar é quase voar
não há laços para os prender,
nem âncoras para segurar,
nem cercas para os conter,
em tocar os barcos e as vidas,
pois, já qué preciso viver,
vivem de cabeças erguidas.

tocam os barcos e as vidas,
vivem de cabeças erguidas,
pescam todo o ano 
nasceram em terra firme,
mas a pátria é o oceano.



Destino escrito na areia


Desde os tempos de menino, Aprendi que a gente vive por teimar e tem o destino escrito na areia quem nasce à beira-mar E se o tempo ficar carrancudo, se a onda vem e apaga tudo, se não der peixe no espinhel ainda tem a rede armada no pesqueiro do parcel. Este mar está cheio de vida, (mas já teve mais!) este mar ainda é generoso (mas já foi mais!) Quando a gente chegava da pescaria com uma fieira de peixes na mão, vovó nos abençoava e dizia: Quando Jesus andou no mundo procurando seguidores, escolheu os melhores no meio dos pescadores.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Cem anos de solidão



Joelhos se dobram quando passo,
vozes se calam quando eu falo,
que você trouxe pra mim?
que você tem pra mim?

Os horizontes são meus,
tenho destino de muitos nas mãos,
o que você tem pra mim?
O que você reservou pra mim?

Tenho batalhões às minhas ordens,
tenho mil olhos em todo instante,
o que você trouxe pra mim?
Qual mimo, enfim?

Sou dono do ouro,
escorrem pratas em meus dedos,
só não nascem flores em meu jardim,
você tem uma esperança pra mim?

Oração diante do mar


Senhor, Deus Criador,
Não permita que acabem
com o ofício de pescador,
para que o caiçara possa continuar
a lançar as redes
no Vosso imenso mar.

A lançar as redes
no Vosso imenso mar
para que a cultura caiçara
nunca venha a acabar.
e fortaleça a nossa fé
em Jesus de Nazaré,

Fortaleça a nossa fé
em Jesus de Nazaré,
para sempre nos lembrar
de pedir Vossa benção
ao sair para pescar.

domingo, 27 de julho de 2025

Cantiga de passarinho


Gosto de cantigas de passarinhos
cantadas de geração em geração
nos galhos das fruteiras carregadas
e nem precisa ter poesia
com palavras rimadas:

Viva João-de-barro,  coleirinha,
pica-pau, irapuru, sabiá, 
mariquita, beija-flor, andorinha!
Sabia, meu bem, 
que saudade é nome de passarinho,
e  tô com saudades de você também?

Um abraço sanhaço, azulão-da-serra,
corrupião , periquito,
coleirinha,  canário-da-terra!
Voa curió,  tico-tico rei
quero-quero, bem te ver,
bem-te-vi, bem te verei!


sábado, 26 de julho de 2025

Janela para o mundo


A minha casa tem janelas
Que se abrem para o mar,
E o mar, é certeiro, 
se liga ao mundo inteiro,

O mar se liga no mundo inteiro,
sabedoria de marinheiro,
pois juntos formam os oceanos
que ligam  os continentes
com oito bilhões de pessoas,
alguns tristes, outros indiferentes,
outros alegres, como eu no momento,
que faço versos em um barco de papel,
e ponho para navegar,
Aonde chegará?
Quem receber, tenho esperança, 
que considere isso coisa de criança.

domingo, 20 de julho de 2025

O caso do dicionário rex

 

Na escola acontece cada uma,

na exposição de animais extintos

do mesozóico apareceram

tricerátopo, velociraptor,

titanossauro, tiranossauro,

arqueoptérix, ictiossauro,

pterossauro, braquiossauro

e um animal curioso

que eu ainda não conhecia -

um tal de dicionário rex.

Que pena, o aluno Victor levou zero,

mas dura lex sed lex,

                                                                               


O caso do tubarão tintureira


Três centímetros de madeira

separavam Tio Chico do oceano,

quando sentiu o ronco

e o mau-cheiro

da tintureira sob a canoa.

Mesmo assim não quis perder

a garoupa que tinha fisgado no anzol

e continuou recolhendo a linha.

Súbito sentiu um tranco

e era uma vez

peixe, anzol, chumbada

e uma calma inabalada.

O caso das bananeiras meio-pé


Mané Bento

desistiu de trabalhar na roça,

largou mão de capinar

e resolveu cultivar bananeiras

que crescem e matam pragas

e ainda dão 'muitas fruitas',

boas de fazer pirão,

saborosas de se fartar,

baixinhas de colher com a mão

Ocasião de festa

 


Em tempo de carnaval,

as árvores do quintal em frente,

se agitam com o vento

e atiram confetes na gente. 
 

O bom Dr. João

 



Quando fiquei com ziguizira
e procurei o Seu Doutor,
ele pôs ouvido no pulmão,
mediu minha palpitação,
e escreveu no papel
que o meu mal
é excesso de civilização:
muito barulho nas orelhas,
pouca música de pássaros;
muita fumaça no nariz,
pouco perfume de mato;
muita roupa no corpo,
pouco pé descalço;
muita conta pra pagar,
pouco dinheiro no bolso;
muito pressa na vida
e pouco tempo pra Deus.
Assinado,
de uma boa cura esperançoso,
Dr. João Luiz Cardoso.

O bom mestre de obras

 Todo construtor sabe trançar

varas e bambus

e amarrá-las com cipó-imbé.

Sabe barrear as paredes

com a argila certa

para manter a moradia

no inverno aquecida

e no verão refrescada.

Sabe escolher

a boa madeira

para fazer os esteios

e a viga cumeeira.

Sabe fazer ripas da jiçara

e cobrir tudo com feixes de sapé

para a casa ter um bom teto

Mas todo bom construtor

sabe que o arremate final

só com a bênção da água benta

para afastar todo mal.


O bicho mar


Quando eu tomei um caldo

e saí da praia todo zonzo

só Tio Chico me consolou:

- O mar, menino, é um bicho perigoso!

sábado, 19 de julho de 2025

Onde está sua casa?

Há mais de cinquenta anos

o barco santense ancorava em Ubatuba

para carregar farinha de mandioca,

peixe seco, cachaça, banana

e um ou outro inocente da terra ubatubana

partindo para Santos

em demanda de emprego e agitação.

Como explicar às pessoas

que a gente mora onde está o coração?

Adultices

Os peixes nadando,

os pássaros voando,

os rios fluindo,

o vento soprando,

as árvores frutificando,

as crianças brincando

e os adultos sem saber o que fazer.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Inverno 2025

 

A madrugada foi fria

mais frio houve no alto da serrania,

a geada embranqueceu a paisagem,

as plantas sentiram-se congelar,

menos o pinheiro do Paraná,

que já passou por muitas eras glaciais

e, parece, está esperando por mais.



O barco santense

 


Há mais de cinquenta anos

o barco santense ancorava em Ubatuba

para carregar farinha de mandioca,

peixe seco, cachaça, banana

e um ou outro inocente da terra ubatubana

partindo para Santos

em demanda de emprego e agitação.

Como explicar aos jovens

que a gente mora onde está o coração?

segunda-feira, 14 de julho de 2025

O barco dos sonhos


Durante a noite trovejou

após o galo cantar.

Depois o vendaval

começou a fazer miséria

no alto da Serra

e abateu-se na planície,

com tanto estardalhaço,

que acordou o menino

que pensou que já era grande

e ficou encolhido em sua caminha

debaixo do cobertor, mas não chorou.

Depois veio o anjo da guarda

com a bênção do sono,

porém, o vendaval no quintal

passou para o sonho do guri

e pôs a pique o barco Taurus,

que sempre tinha navegado

nos sonhos da criança

e o resto é lembrança.

Novo estatuto

 Todas as crianças,

mesmo as que moram em apartamentos,

terão direito a um quintal,

com árvores para abraçar, sacudir, balançar

e espaço para brincar de amarelinha, pique

e o rei mandou, com poder de autoridade suprema,

que se cumpra este poema.

Novena


Nossa Senhora Aparecida,

eu, herdeiro de terras perdidas,

de sabedorias que estão esquecidas,

de lembranças esmaecidas

do povo caiçara,

ainda assim vos bendigo,

pois ainda restam cores

para refazer o mundo antigo

e a fé dos meus avós

que foram íntimos de vós.

 

Nova teoria astronômica


E se as imensas galáxias

com turbilhões de estrelas

não passarem de carrosséis

em caprichosos arranjos

girando desde antigamente

no jardim da infância dos anjos?

 

Nova teoria


 É uma máquina de guerra

que tem depois da Serra

e que faz disparos de canhões

só para nos assustar…

raios e trovões.

domingo, 13 de julho de 2025

Nova e antiga lição


Sabe aquele pão

arrancado da despensa quase vazia

para dar a quem pedia?

Sabe aquele dinheiro

tirado de seu saldo devedor

emprestado a um amigo?

Sabe aquela palavra de ouro

tirada do rico veio de seu coração

pra dar a um necessitado de afeição?

No final se verificará

que são pequenos atos de sapiência,

porque foi-nos ensinado que a eternidade

tem alicerces na solidariedade.

Nos tempos dos candeeiros


Após o canto do galo

que assinalava o fim

do domínio das trevas,

após um café forte

feito por Tia Maria

no fogão a lenha,

Tio Genésio rolava a canoa

e enfrentava o mar

em quatro horas

de remo e vela traquete

até à Ilha Vitória,

para pescar caçoa,

da caçoa tirar o fígado,

do fígado extrair o óleo

que depois era transformado,

Milagre da medicina,

em óleo de fígado de bacalhau

fonte de muita vitamina

e cura pra todo mal.

No Sertão do Ubatumirim

 

Antigamente, dizia Antônio Clemente,

era fácil encontrar Deus,

ele passava por aqui todo domingo,

na capelinha do bairro.

Mas a fé foi morrendo

e ninguém tinha tempo

para o compromisso mais importante da vida.

Na falta de onde ficar

foi que ofereci meu abrigo

e, desde então,

Ele está aqui comigo.

Notícias de pássaros

 


É bom morar perto da mata

para receber toda manhã

lições de esperança

dos passarinhos de Deus:

Antes mesmo de o Sol nascer

eles põem-se a cantar

a grande ópera do dia,

movidos a insetos e sementes,

iguaizinhos a São João Batista,

o Santo que anunciou

Cristo, Deus do Amor.

Notícias


A enfermeira Cida Giraud,

da Santa Casa de Ubatuba,

disse que Aparecida Amorim,

uma das meninas

que viu Nossa Senhora,

no Sertão da Quina,

após viver muitos anos,

acabou por falecer

e, que, tão logo a vida a deixou,

um misterioso perfume de rosas,

o sinal de Nossa Senhora,

pelo seu quarto se espalhou.

Porque me tornei poeta

  

Quando a gente dizia
que ia colher jabuticabas
Vovó nos lembrava
para deixar um pouco aos passarinhos.
Era assim Dona Eugênia,
não lia e nem escrevia,
então praticava poesia.

 

Notícia antiga


Francisco Aleixo Cabral

do Engenho da Praia do Pulso

embarcou 10 pipas de cachaça,

Benedito Gabriel despachou

seis alqueires de farinha

e Marcolino Antunes de Sá

embarcou a si próprio

para tomar tenência,

na barra do porto de Santos,

sobre a tal da República

dos marechais e outros espantos.

Versos apócrifos 2

 

No dia de São Pedro

tem um velhinho de barbas

que bate às portas dos pescadores

e pede um prato de pirão

de peixe com banana

e farinha de mandioca.

Quem o atende

com o prato gostoso,

cheirando a coentro graúdo,

ganha sua afeição

e tem meio caminho andado

para a perfeita salvação.

Nossa Senhora de Ubatuba

 

No ano de 1915,

no Bairro do Sertão da Quina,

Município de Ubatuba,

três meninas caiçaras

viram Nossa Senhora,

Mãe do menino Jesus,

de todas as crianças

e de todas as esperanças.

Preocupadíssima,

trouxe conselhos de mãe,

pediu para fazer a igreja

e o cruzeiro que encima

o morro da Quina,

hoje morro da Santa.

Quando passo por lá,

faço minha oração

pedindo sabedoria,

peço sua maternal bênção

para estar sempre ao lado da vida

e muita inspiração

para pôr em versos e cores

tanta prosa em preto e branco.

sábado, 12 de julho de 2025

No País de 1970

  

Meu avô tinha canoa de voga,

rede de arrasto,

aviamento de farinha,

horta no quintal,

cachoeira nos grotões,

bananeiras morro acima,

cambucá, jabuticaba, bacupari

e Santo Antônio no oratório

que conversava com minha avó.

Ou foi sonho de criança?

No meu quintal


Em troca de um braço forte,

um abraço suave,

uma chuva de pingos de ouro

e uma parceria para a vida inteira:

orquídea na laranjeira

Poema minúsculo

 


Operários e soldados

percorrem as trilhas de terra

que cruzam todo o reino de D. Eugênia.

Desde o pomar,

desde o canteiro,

todas os caminhos

levam ao formigueiro.

Mistério nos anos 1970

 

Um gigante caminhante

nas sombras e ermos do Sertão da Quina

 cruzou o caminho

do pescador noctívago Antônio Félix

que, por muito tempo, ficou assombrado.

E espanto maior só teve

quando conheceu os olhos cor de céu

de tia Conceição

e, que, por eles se perdeu.

Nocaute

 



Após o almoço de domingo
todo mundo na casa de meus avós
ficava completamente derrubado
na rede da varanda,
na tarimba da camarinha,
na esteira de taboa,
ou no cocho da casa de farinha.
Culpa, data venia,
do pirão de peixe
de Vovó Eugênia.

Poema do mundo natural

 

As mamangavas

cantavam música de ninar

para meu bisavô,

enquanto escavavam tocas

nas paredes de pau-a-pique.

E debaixo do assoalho

uma família de lagartos

morava e ainda mora.

Quem quiser que vá ver

lá na praia da Fortaleza

enquanto a casa, pobrezinha,

maltratada e em ruínas

ainda resiste em pé,

igual à imagem que restou,

após 35 anos,

de meu saudoso bisavô. 

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Negaceando

 

 

Aonde vai, Sr. Fernando Pessoa,

com esse chapéu de palheta,

esse bigode cofiado,

essa gravata borboleta,

em plena luz do dia?

- Vou caçar, ora pois,

caçar versos para minha poesia.

Navio fantasma

 


 

Do rumo de meio-dia,

cambando sobre as ondas,

o veleiro veio

de dentro do século XIX

buscar pimenta-do-reino,

café do Vale do Paraíba,

farinha da terra,

ouro das Minas Gerais,

chegou tarde demais. 

Não esqueça dos amigos

 


 

Leve de presente

uma penca de banana da terra,

ou um pedaço de torta,

ou abacates maduras,

ou um buquê de flores

aos amigos que precisam de visitas

 como profilaxia

para evitar a doença da solidão

e precisam reencontrar motivos

 da alegria d-e-v-i-v-e-r.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Na Guerra do Paraguai

 


Quando chegava a noticia

de belonave que aportava

na Vila de Ubatuba,

quem era homem

corria e se escondia

nas alturas da pedra da Igreja

na praia da Fortaleza,

até que se afastassem

os alistadores parrudos

que buscavam voluntários da Pátria,

no tempo dos generais barbudos

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Na cozinha do Senhor

 


Se eu for convidado,

quando chegar o dia

de abrir-se a porta

da Casa de Deus,

vou direto para a cozinha

ver se tem fogão a lenha

e sobre ele um caldeirão

com garoupa e banana verde,

no ponto de pirão.

 

Música para ninar o menino Jesus


A paz vencerá a guerra,
O amor sufocará o ódio,
A vida vencerá a morte,
Quando a fragilidade valer mais do que a força,
Quando o carinho ganhar da agressão,
Quando o ouro for encontrado nos corações,
Quando a luz vencer as trevas,
Quando a mão parar a espada,
Quando a descrença der lugar à fé
E quando os castelos tiverem a riqueza
De uma casinha de Nazaré.

Música nas alturas


Minha viola

toca benditos,

chora saudades,

saúda o Divino

e cai na folia.

E nos mantemos

em perfeita afinação

para nossa salvação.

Muito prazer, família dos siris

 

Siri-candeia,

siri-patola,

siri-babão,

siri-na-lata,

sirigaita. 

Mudança de foco


Se todo caiçara pudesse

ser pescador embarcado

e à terra retornasse

a cada quinzena,

novo homem renasceria

e o coração palpitaria

pelos olhos reconhecidos

à visão da Ilha Vitória

entre líquidos montes e vales

do mais duro oceano,

antecipando, poucas milhas além,

a Vila Nova da Exaltação à Santa Cruz

do Salvador de Ubatuba, amém.

Movimento cíclico


 

Tantas voltas a Terra dá,

tantos giros de carrossel,

tantas revoluções telúricas,

tantas translações e rotações,

tantos rodeios só pra dizer

que quero tanto um beijo seu. 

 

Modéstia à parte

 


Sou, modéstia à parte, caiçara,

da alta gastronomia,

da ostra com limão,

do mexilhão na caldeirada,

da lagosta assada,

do pirão de garoupa,

do caviar de tainha

salgado e seco ao sol

e posto para ser assado

nas brasas do fogão à lenha.

Quem tem juízo que prove

o gostinho do passado.

Minha casa

 


Quando crescer, quero uma moradia

de pau-a-pique com reboco, pintada de branco

de janelas e portas azuis.

E, no quintal, cafeeiros, bananeiras

jabuticabeiras e um coqueiro

para de longe acenar quando para casa eu  retornar.

 

Quero uma casa de esteios do mato,

de ripas de jiçara, de teto baixo com vãos para guardar

navalha de barbear, anzol para caçoa,

agulha de costurar rede e retratos de santos por todas as paredes.

 

Minha casa terá fogão a lenha com chapa de ferro de três bocas,

uma chaminé bem comportada

que expulsa toda a fumaça e deixa só um bocadim

para fazer picumã contra o bicho-cupim.

 

Uma casa com camarinhas de janelas abertas

para as bandas do leste, para o caminho do sol,

para o mar e  as fruteiras carregadas de pássaros

que cantam a Deus, gratos pela alvorada,

como todo mundo devia fazer em início de jornada.

 

Uma casa muito simples com luxo só na camarinha,

com tarimba de ripas, esteiras de taboa e travesseiro de macela.

Minha casa de adulto será minha casa de infância.