quarta-feira, 28 de abril de 2021

Vida caiçara


 
A história de quem nasce aqui

começa com o pé no mar

até tomar intimidades

e pular nas ondas, mergulhar no mar

e se benzer com água do mar.

E conforme cresce em idade e experiência,

ao mesmo tempo vai tomando ciência

em manejar o remo, em costurar a rede,

e adquire a sabedoria dos nomes dos peixes,

da força dos ventos, dos humores do mar,

dos sinais dos tempos,

até merecer a distinção mais cara

de ser, no trabalho e na cultura,

mestre em tradição caiçara.

Antigos significados

 

Os caiçaras mais velhos eram analfabetos,

mas antigamente a leitura era outra,
os signos eram outros.
Liam-se os sinais do tempo no comportamento do mar,
na direção do vento, na cor do pôr-do-sol.
Sabia-se das plantas conforme suas serventias
e elas eram conhecidas pelos nomes
como se fossem velhas amigas.
Liam-se as pessoas conforme o coração.
Liam-se os animais pelos respectivos sinais,
já os pássaros eram conhecidos
principalmente pelos ouvidos.
Cada pássaro com seu canto,
cada vivente com seu encanto.

Casa de caiçara

 

Houve um tempo em que minha casa

era de pau-a-pique no morro sobre o oceano
e eu era muito rico,
porque maravilhas aconteciam sob a minha janela:
os botos brincavam de pega-pega na Baía da Fortaleza,
as fragatas planavam ao sopro do vento leste,
a Ilha Vitória aparecia e desaparecia
conforme as condições do tempo,
os barcos faziam complicadas manobras
para atracar ou para zarpar,
muralhas de nuvens erguiam-se sobre a Ilha Bela
anunciando a frente fria
e nenhum dia era igual ao outro.
As janelas da minha casa,
naquela época não sabia,
abriam-se para a poesia.

Inventário de meus avós maternos

 


Tem bananal que sobe e desce morros,

pomar de todas as frutas,

casa de telhas de barro feitas nas coxas,

sala de chão assoalhado

de dançar a chiba e fazer o baile,

rádio de ondas curtas

pra pegar todas as emissoras do planeta

na antena de fio de cobre instalada sobre o telhado.

Na cozinha tem farinha no barril

e muitos quilos de sal

guardados sob o calor do fogão à lenha.

Têm casa de farinha com roda de ralar, prensa de fuso,

cocho, gamelas de madeira e forno com tacho de cobre,

pra deixar a farinha torradinha, farinha boa, farinha da terra.

No quintal tem café secando ao sol, peixes secando no jirau,

dezenas de galinhas, patos e alguns perus.

Tem uma jabuticabeira carregada de frutas

E uma vovó que sempre nos lembrava

para deixar um pouco para os passarinhos,

Vovó era assim, não lia nem escrevia,

Então falava poesia.


Nova lição

 

Quando vovô perguntou
o que eu tinha aprendido
naquele dia na escola,
eu respondi que a professora ensinou
que a baleia é mamífero
e não peixe como eu pensava.
- Mas não fique triste,
consolou-me o avozinho,
com aquela cara de peixe
a qualquer um ela enganava.

No quintal de meus avós

Estou na esteira sonhando
com a lembrança do quintal
de Seu José e Dona Eugênia:
Roupas, Peixes e grãos de café secando ao sol,
lenha empilhada à espera do machado,
galinhas e patos no terreiro
que vai até uma pequena queda d’água
suficientemente generosa para sustentar
guaru-guarus, camarões, rãs,
cobras d’água, cafulas
e matar a sede de curiosidades
das crianças de casa e arrabaldes.

Trilha caiçara

 

Uma trilha feita pelos pés inicia-se na casa de pau-a-pique,
passa sob as árvores carregadas de frutos,
passarinhos, gaiolas de alçapão,
meninas de tranças, meninos de pés no chão,
ranchos de canoas, casas de farinha,
sapos na gamboa,
criação de patos e galinhas,
amendoeiras de raízes expostas,
pessoas com as almas expostas,
pescados às dezenas, aos centos
e continua a trilha
no recôndito dos sentimentos.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

10 coisinhas para deixar profs felizes


 Feriado prolongado. Café saboroso no intervalo. Encontrar o guarda-chuva perdido. Ganhar livro bom de presente. Chocolate em dia frio. Refresco gelado em dia quente. Ouvir uma piada bem hilária. Saldo positivo em conta bancária. Perder menos tempo com problemas. Ter mais tempo para poemas.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Escola de pescadores

 

Desde pequeno,

como se fosse brincadeira de criança,

ajudava meu avô a puxar rede

e receber os presentes do mar :

cação-viola,

treme-treme,

água-viva,

camarão-rosa,

peixe-voador,

siri-candeia,

peixe-tapa

e outros espantos.

Boas notícias

 

O vento leste com pressa de tormenta

correu sobre o mar só para contar às orelhas de pau

- tem ao menos uma em cada árvore do meu quintal -

que a primavera acabou de atravessar

a linha equinocial.

Bem-aventuranças

 

Desde pequeno eu pude

sentir o cheiro do mar

trazido pelo vento leste,

o gosto do coentro bravo

no caldo de peixe

com banana verde,

o sabor do biju de farinha

assado na hora e

o sabor do limão cravo e

da alfavaca no cação refogado.

E não há nada que apague

de minha memória

o aroma da banana assada no fogão a lenha,

do café torrado na panela de ferro

e da batata doce preparada

na fogueira de São João,

padroeiro da Praia de Fortaleza.

Belvedere

 

Não havia lugar para nós na praia,

por isso fomos morar no morro

de onde se podia avistar

toda a baía da Fortaleza,

o parcel do Mar Virado,

a coreografia dos botos,

o frio vindo do sul,

a Ilha Vitória

e os navios que deixavam sinais de fumaça

antes de se perderem no horizonte. 

domingo, 11 de abril de 2021

A verdadeira sabedoria

Estudei em muitas escolas,
li muitos livros,
aprendi a enfileirar palavras,
a repetir a enciclopédia
e fiquei muito prosa,
até descobrir
que Tia Aninha benzedeira,
sem escrita e nem leitura,
somente com suas orações,
aprendeu a ler as pessoas
e o estado de seus corações.

Do jardim de Vovó Eugênia

 


Na casa de Vovó Eugênia
havia o mais bonito jardim
com as mais belas flores
admirado por mim
e bem frequentado
pelos especialistas conhecedores:
as abelhas, as borboletas,
as mariquitas e os beija-flores.

 

 

Homenagem ao Tio Tonico

 

Entre constelações de estrelas do mar
e revoadas de peixes-voadores e carapirás,
parte a derradeira viagem
do barco que tem São Pedro à proa
e conduz quem pescou o peixe,
mas soltou o filhote,
e quem se benzeu com a água benta do mar
antes de sair para pescar.



Poesia de menino de praia

 

Por causa do muito frio e neblina,
a madrugada estendeu-se 
além de seus limites
e trouxe com a cerração,
de trinta anos passados,
o eco da buzina da traineira Taurus
com o aviso de partida
para o porto de São Pedro:Viagem só de ida.

terça-feira, 6 de abril de 2021

Até parece poesia

 

São Francisco falou com os bichos,
São José de Cupertino andou nos ares,
Santa Clara de Assis enxergava à distância,
Santo Pio de Pieltrecina desviou bombas no ar,
São Paulo ressuscitou um jovem,
Santa Rita de Cássia conversou com anjos.
São Simão do Egito fez a montanha mover,
São Pedro curou um coxo,
São João Bosco multiplicou pães
e Santa Bernardete virou bela adormecida.
E ainda há quem diga
não ter espaço pra poesia
na rotina do dia-a-dia.

Estrelas ao alcance da mão

 

Qual é a árvore que dá estrelas?
É o pé de carambolas, ora bolas.
Quem duvida que colha uma fruta
e corte-a em fatias para ter, então,
uma bela constelação.

Jabuticabeira é coisa nossa

 

Goiabeiras, laranjeiras,

coqueiros, parreiras,

foram obras de Deus criador.

Já a jabuticabeira

com frutos em toda a extensão,

desde os galhos mais altos

até ao caule ao rés do chão,

decerto foi arte do menino Jesus

na Terra de Santa Cruz.

Paisagens de nostalgias

 

Uma revoada de pássaros levanta voo
de partida para sua casa de inverno.
Onde?
Uma pessoa colhe flores
e ajeita um ramalhete de presente.
Pra quem?
Um retrato na parede mira distante.
O quê?
Uma nostalgia mansinha
tá querendo me pegar.
Por que?

sábado, 3 de abril de 2021

Antigamente

 


Eram os Reis Magos que nos traziam presentes:
boneco desengoçado, corda de pular,
pião carrapeta, balanço na goiabeira,
canoa de caixeta, carrinho de madeira.
Mas chegou o Papai Noel que expulsou os Reis Magos
e acabou-se a brincadeira.

Café com garapa

 

Meu avô plantava café
para depois secar, peneirar e torrar.
Plantava cana de açúcar,
para cortar, moer e fazer garapa.
Plantava mandioca,
pra ralar, prensar,
torrar e fazer farinha
que com garapa e café,
até hoje dão sustância
para meus versos e minha fé.

Carta de Santos

 

A bênção pai, a bênção mãe,
espero que esta os encontre
com saúde.
Depois de carregar cargas
e mais cargas de café,
me tornei taifeiro, 
auxilio, oriento, recebo
e despacho, navios e passageiros.
Mas o que gosto mesmo é de ajudar as senhorinhas
a descerem dos navios,
algumas são tão delicadas,
são tão leves ao desembarcar
que ninguém acreditaria
o quanto pesam nos meus pensamentos.
Preciso me casar.

Agenda de passarinho

 

De manhãzinha escutei
o bem-te-vi assoviar
suas obrigações de hoje,
coisas banais de passarinho:
visitar as árvores fruteiras,
tomar lições de canto,
exibir acrobacias aéreas
e namorar um tanto.
Bem-te-vi, assoviou, ainda,
acho que só pra me alegrar,
que sempre bem me verá.

Amor saudável

  


Minha namorada é vegetariana
e ela me beija, me ameixa,
me faz um carinho,
uma salada de frutas e pergunta:
- Que couve?