terça-feira, 31 de dezembro de 2019
Alfabetização
Compreender o que está escrito no céu
para saber o comportamento do tempo,
fazer a leitura do mar
para saber se o dia está bom para pescar,
interpretar o vigor da terra
e das colheitas que ela dará,
descortinar as almas das pessoas
em suas palavras e ações
são as leituras essenciais,
são as mais importantes interpretações.
Sinais no céu, sinais na Terra
Quando o Anjo do
Senhor,
que deixou a Terra para a gente cuidar,
voltar para fazer o inventário do mundo,
vai querer saber dos rios, florestas,
bichos da terra, do céu e do mar;
dos berçários da vida nas matas,
bichos da terra, do céu e do mar;
dos berçários da vida nas matas,
manguezais e areais.
Depois ele vai procurar, em dias de devoção,
nas capelas diante das praias,
os filhos e netos de pescadores
e poucos estarão lá.
E o que nós vamos falar?
segunda-feira, 30 de dezembro de 2019
Avô rico
Meu avô foi rico, muito rico,
com terras que davam muitas pratas, ouros,
bananas da terra e nanicas.
Além de uma linda queda d'água
em um riacho bem comportado,
exceto em dias de trovoadas,
a maior riqueza que tinha
era um rádio Semp-capelinha.
sábado, 28 de dezembro de 2019
Feliz 2020
Esperança não é uma palavra abstrata,
ela vem com a rede cheia de peixes,
ela é colhida nas safras generosas,
ela sorri com o casal enamorado,
ela caminha nos passos de um bebê,
ela está nas palavras de incentivo,
nas mãos generosas,
no amor de pai e mãe,
nas boas novas dos profetas,
na união que vence o tirano,
na construção do mundo novo,
nos braços que preferem abraçar...
Não, a esperança é um substantivo concreto
e a igualdade também logo o será.
Os nomes do povo
São nomes de santos
João, Antônio, Teresa, Maria...
São nomes de reis
Fernando, Henrique, Isabel, Beatriz...
São nomes de filósofos
Cícero, Alcides, Euclides...
São nomes de germânicos
Rodrigo, Ludovico, Gertrudes...
São nomes de mouros
Omar, Almiro, Fátima, Palmira...
São nomes ibéricos
Manuel, Leonor, Matilde, Diogo...
São nomes indígenas
Moema, Moacir, Iara, Araci...
São nomes estrangeiros e são nomes caiçaras,
são nomes de longe e são nomes daqui.
Pessoas humildes, grandes almas
Além do alto da Serra
onde o Céu está mais perto da Terra
vive João Pobrezinho,
dono de um sítio pequeno,
mas com o Rio Paraibuna nos fundos.
Ele cultiva o próprio feijão,
tem algumas galinhas para cuidar
e o resto do dia ele desperdiça em viver:
conversa com os amigos na praça da vila,
vai na capelinha fazer oração
e visita o covo para retirar os peixes da armadilha,
pega para si um só
e o restante distribui com a vizinhança e diz:
um só me basta, amanhã Deus me dará mais.
Pensem em um homem feliz!
domingo, 22 de dezembro de 2019
Lembranças do mundo caiçara
Minha família toda pescava,
meus avós e meus tios tinham redes e canoas
e viveram da generosidade do mar
até quando existiram manguezais
e os peixes podiam se reproduzir,
até quando os rios eram limpos
e levavam só água doce para temperar os oceanos,
até quando existiam jundus
para moradia da batuíra e do guaruçá,
até quando Nosso Senhor tinha, em cada casa,
oratórios e corações para se aconchegar.
Tempo bom
Céu obscurecido por nuvens pesadas,
ar parado,
pássaros com voos mais curtos,
a praia vazia de pessoas
e a natureza na expectativa
do aviso que logo vem:
um açoite de relâmpago
no alto do morro
e um trovão que desperta o mundo,
que faz correr as mulheres
para tirarem as roupas do varal,
aos adultos faz se abrigarem nas casas
e às crianças... cadê as crianças?
Estão agora no terreiro
fazendo a coreografia da chuva e outras danças.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2019
A paisagem distorcida
Vista pela vidraça
fosca
É uma lembrança tosca
Do que acontece lá
fora...
E se todo esse
firmamento
Com seus milhões de
pingentes
for apenas uma pálida
imagem
do verdadeiro céu
detrás de enganadoras
lentes?
Ovo de indez
Seguindo o exemplo
de Vovó Eugênia
que
com suas galinhas
não admitia talvez,
quando percebo
que meus versos
estão aíbos,
por minha vez,
leio e releio
Mário Quintana
e Manuel Bandeira
que são meus ovos de
indez.
Outras sabedorias
- Zé Almiro, onde você foi homem?
- Fui à praia, fui ao mar
ver a cor do tempo,
ouvir a voz das ondas,
escutar a arenga das gaivotas
porque um homem precisa ficar informado
das coisas que importam,
amanhã não vou à pescaria.
E tão forte veio a tempestade
que a noite invadiu o dia.
- Fui à praia, fui ao mar
ver a cor do tempo,
ouvir a voz das ondas,
escutar a arenga das gaivotas
porque um homem precisa ficar informado
das coisas que importam,
amanhã não vou à pescaria.
E tão forte veio a tempestade
que a noite invadiu o dia.
O time da nossa praia
Os jovens jogavam
futebol de praia
no domingo de manhã,
porque de tarde havia
missa.
O dia ainda estava
claro
e o badalo batia bão
balalão,
igualzinho ao sino
de Manuel Bandeira.
E todo mundo se
dirigia à igreja
para conversar, se
informar,
rezar e cantar,
especialmente para
Santa Maria,
Mãe de Deus:
Ave, Ave, Ave Maria
...
Ai de quem não fosse
à Missa,
ai de quem se
portasse como incréu,
na partida seguinte
perderia a vaga no
time e no céu.
Segredo culinário
Entre o cheiro de coentro,
limão e outros temperos,
preparo um peixe para a família
e peço ajuda pra mulher.
Ela chega de mansinho
e pergunta se beijar o cozinheiro
melhora a receita.
Sim, respondo, é muito eficaz,
vai ficar com gosto de quero mais.
limão e outros temperos,
preparo um peixe para a família
e peço ajuda pra mulher.
Ela chega de mansinho
e pergunta se beijar o cozinheiro
melhora a receita.
Sim, respondo, é muito eficaz,
vai ficar com gosto de quero mais.
O segredo da farinha de mandioca
Filhos e netos
transportavam,
descascavam,
lavavam,
ralavam,
prensavam
para tirar o veneno
da mandioca brava,
enquanto Vovô
forneava,
controlando o calor
e o ponto certo,
para fazer a gostosa
farinha da terra,
farinha do céu.
Os pássaros não morrem
Exceto por maldades como
bodocadas e arapucas,
os pássaros não morrem.
Pesquisei no mato,
espiei sob as fruteiras,
questionei o bem-te-vi
e cheguei à conclusão,
após percorrer esse mundéu,
que os pássaros não morrem:
sobem em corpo e alma ao
céu.
quarta-feira, 20 de novembro de 2019
Para Hélio Rosa de Miranda
Hélio, fazendo jus ao nome,
faz girar à sua volta
um universo de pessoas que fazem literatura
na teoria ou na prática, na escrita ou na ação.
É um idealista do livro de cada dia na mesa,
tal qual deve haver o necessário pão.
Quando ele anda sumido, creiam,
é porque perdeu-se nas páginas dos livros,
por isso já foi visto em Cordisburgo,
Pasárgada, Itabira ou Samarcanda.
Por caminharmos juntos um pedaço da estrada,
receba lá um abraço, Hélio Rosa de Miranda.
sábado, 16 de novembro de 2019
Poemas caiçaras
Meus amigos, minhas amigas, quase 50.000 pessoas visualizaram meu blog de poemas. Confiram, acessem barbatuba.blogspot.com.br, leiam e deixem seus comentários no próprio blog. Reparem que a maioria são de outros países, sendo que 403 são de região desconhecida (será que são aliens?) |
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domingo, 10 de novembro de 2019
Vida preciosa
Eu vivi e dou testemunho
que nas praias de Ubatuba
tinham recifes rochosos
com muitos peixes, algas,
corais, crustáceos e moluscos.
Em todas as barras de rios
tinham manguezais
onde entravam tainhas, paratis
e robalos para fazer a procriação.
Era o tempo em que
os caiçaras plantavam na terra
e colhiam no Atlântico
e até nas areias tinha muita vida
com moluscos e caranguejos.
Ah, se eu pudesse prever o futuro,
quando eu morava pertinho do mar,
quebraria o relógio, rasgava o calendário
e faria o tempo parar.
Assim no sertão como no litoral
Foi por causa do trator que lhe tirou o emprego
que o moço do interior desceu a Serra do Mar
e chegou de viagem no fim do dia muito cansado.
À noite espiou o céu estrelado,
o mesmo céu já conhecido do sertão
com o Cruzeiro do Sul
servindo de relógio das estações, fim do verão.
E isso o deixou muito sereno.
No dia seguinte, costume não se perde,
logo cedo o capiau estava,
diante do mar, muito admirado,
vendo, conforme as horas avançavam,
as mesmas estrelas do céu
que começam a chegar,
desfilar e tomar lugar na praia.
E sua serenidade aumentou ainda mais,
no sertão ou litoral, a velha poesia não falha.
sábado, 9 de novembro de 2019
Foto antiga
Casa, quintal, roseiras
e crianças de pés descalços,
em uma foto tão antiga
que nem faço ideia,
acho que bem anterior
à divisão da Pangeia.
Vazios do tempo
Vontade imensa de acordar,
olhar o mundo e ver
mais rostos familiares,
mais pessoas nas capelas,
mais pássaros no céu,
mais peixes no mar,
mais crianças brincando nas ruas,
mais poesias, músicas e epopeias
mais matas e mais bichos
gritando onomatopeias.
segunda-feira, 4 de novembro de 2019
Evolução?
Meu parente estava lá
quando acabou-se a Era do Gelo
em águas que foram engrossando
em córregos, riachos, ribeirões, rios
e dilúvio que acabou com o mundo,
a mega fauna do pleistoceno extinguiu-se
e o mais frágil dos seres
ficou jururu no alto dos montes,
esperando a água baixar
para começar a cavar a terra
e inventar a agricultura
ao plantar trigo, arroz, cevada,
junto plantou, por consequência, a primeira cidade,
que fez nascer a desigualdade,
pobreza, riqueza, ralé, realeza.
Meu parente estava lá
vendo os homens ficarem poderosos,
as guerras mais frequentes e cruéis,
sujando os rios Tigre, Eufrates, Nilo
e o Mar, cada vem mais, Vermelho de sangue.
E o morticínio se sucedeu
de um império dominando outro,
para ser derrubado pelo seguinte:
Babilônia, Egito, Pérsia,
Síria, Fenícia, Grécia,
Roma, Arábia, Turquia,
Espanha, Grã-Bretanha, Tio Sam...
E as armas cada vez mais mortais,
bordunas e tacapes, lanças e flechas,
bestas e alabardas, trabucos e catapultas,
carabinas e espingardas, bombardas e canhões,
metralhadoras e fuzis, tanques e aviões,
raios laser e bombas atômicas
made in Rússia, Coreia do Norte, USA...
Meu parente estava lá,
mas pensando em partir para longe, far, far away.
domingo, 3 de novembro de 2019
Festa da tainha
No morro da espia
ficava alguém de boa vista
a olhar o horizonte
à espera dos sinais das tainhas,
que não tinham hora para chegar.
Caiçara nenhum ia trabalhar na roça,
nada de namorar,
todos ficavam de prontidão
à espera do toque do búzio
para lançar a rede ao mar
e começar a labuta
de remar a canoa,
de cercar o peixe,
de puxar os cabos,
de sentir o peso do cardume
de trabalhar e festejar,
na época em que os pescadores,
vizinhos ao paraíso,
viviam na orla do mar.
sábado, 2 de novembro de 2019
Lula Livre!
quem abraçou o humilhado,
quem alimentou o faminto,
quem salvou a vida frágil,
quem desdenhou o perigo,
quem enxugou o rosto
de Nosso Senhor Jesus,
quem foi supliciado em defesa
da floresta amazônica,
quem foi mártir por causa da justiça,
quem salvou refugiados das guerras,
quem não se curvou a Herodes
e quem não se deixou intimidar
pelo ditador militar.
sábado, 26 de outubro de 2019
Brasil, olha a sua cara.
sábado, 19 de outubro de 2019
Pés descalços sobre a terra sagrada
Pela minha lei
os manguezais e os recifes são lugares sagrados,
pelo mesmo motivo que é sagrado
o ventre da mulher grávida.
Pela minha lei
ninguém pode matar a mata,
pelo mesma razão
que não se fere o próprio coração.
Pela minha lei
apenas os pés descalços podem ir à praia,
só porque, nos tempos juvenis,
foi assim que aprendi a ser feliz.
Tem uma lágrima no poema
Mais do que fazer versos,
eu quero que todos os corais,
caranguejos, moluscos e peixes
voltem ao universo
dos recifes e manguezais.
Eu quero ver os guaruçás de volta aos jundus,
quero ver as garças pescando nas lagunas,
tenho saudades das lagostas nos costões
e dos ventos a modelar as dunas.
Eu sei que canto a vida pretérita,
eu sei que canto o que já não existe,
Eu acredito na poesia,
só não acredito em bobagens,
como comover todos os corações
se nem têm almas os capitalistas selvagens?
sexta-feira, 18 de outubro de 2019
Abram as portas
Despertar com o cheiro do café
feito por Vovó no fogão a lenha
ou acordar com a claridade do dia
que entrava por todas as frestas
das telhas feitas nas coxas
da casa de caiçara onde cresci?
Brincar de ser criança na areia da praia
ou voar com os pássaros em pensamento?
Jogar bola na areia rente ao mar
ou se fazer de peixe que fura
as ondas da Praia da Fortaleza?
Averiguar se tinha araçá docinho no quintal
ou espiar as jabuticabeiras
para ver se havia frutos maduros nelas?
Muitas eram as possibilidades para o futuro,
eu nasci em uma casa de muitas portas e janelas.
terça-feira, 15 de outubro de 2019
Quintana e Suassuna no céu
Suassuna é um pândego,
Quintana, muito comedido;
o paraibano escreve como quem brinca
e o gaúcho burila palavras introspectivas;
Quintana tenta tocar a rabeca do nordeste,
e ri como quem ri por último;
Suassuna aperta os foles da gaita gaúcha
e ri no começo, meio e fim;
ambos sob as asas e o divertimento
do Anjo Serafim.
quinta-feira, 10 de outubro de 2019
Ouvidos atentos para a poesia
Uma vez um menino viu
uma casa de joão-de-barro sobre outra
e perguntou para sua mamãe
se eles já não se contentavam
em ter casas térreas.
De onde as crianças
tiram tanta poesias e ideias?
Telúrico
Sei da minha condição telúrica,
mas muitas vezes eu fico tão tontinho
que até dá vontade de cair fora...
Mas também com esse planeta
rodando em volta do próprio eixo
à velocidade de 1700 km por hora!
quarta-feira, 9 de outubro de 2019
O pescador Zé Almiro
Na rede de tresmalhos
tresmalhou uma cambeba
daquelas brabas
que espadanou, saltou e fugiu.
A rede ficou lá toda estragada,
da cambeba ficou só o suspiro
Mãe do céu, cada coisa acontece
com a rede do Zé Almiro
domingo, 29 de setembro de 2019
Duas mães
Ornitologia caiçara
O passarinho alma-de-gato
tem pios que lembram miados;
o passarinho bem-te-vi
com avisos de advertência
faz a segurança das matas;
já o sabiá aprendeu a cantar
com o Arcanjo Gabriel
só para depois vir à Terra
trazer-nos um pedaço do céu.
sábado, 28 de setembro de 2019
Amor de mãe
Mamãe sempre nos inspecionava
para ver se os cabelos estavam penteados,
roupas limpas, os sapatos lustrados
e depois nos deixava sair pelo mundo
para estudar, para trabalhar, para namorar...
No fim do dia, cansados, sujos,
bem tratados ou maltratados,
ela nos recebia de volta
com o café quentinho, a bênção maternal
e a oração do rosário
para nos proteger de todo mal.
domingo, 15 de setembro de 2019
Quando o céu toca a Terra
Na época em que os ipês se enfeitam,
em que os sabiás começam a cantar,
e as nuvens cobrem a serra,
é quando o céu toca a Terra.
Sentidos atentos, então,
mamãe deixou-nos muita herança
roseiras de todas as cores
e o perfume da flor-do-japão,
rezava o terço todos os dias
e pedia por todos os seus,
dizia um chiste, rezava uma ave-maria
e assim alcançou as graças de Deus.
Foi bem numa época assim
que um anjo passou por mim,
eu no meio de uma multidão,
sacolas de compras nas mãos,
minhas mãos estavam ocupadas,
minha mente em outra sintonia,
como eu poderia abraçá-lo
se em meu coração ele não cabia?
Você viu o que eu vi?
perguntei a uma senhora.
Ela nem precisou responder
o que, em seu rosto, podia-se ler.
Luz contra as trevas
Cuidado, meus amigos,
os pseudo-ditadores retornaram
com posturas ou palavras de intimidação,
são gente sem graça e sem cerimônia
que trazem nuvens escuras para o Brasil
e não é só o incêndio da Amazônia.
Meus amigos, peço a vocês
que mantenham viva a esperança,
pois somos o povo dos livros
e vamos derrotar a ignorância,
escrevam poesias, abracem a liberdade,
pratiquem a coerência, façam canções,
leiam romances, defendam a verdade.
Coragem, meus amigos,
continuem firmes no bom combate
e não esqueçam de estender a mão
àqueles que são mais vulneráveis
que estão por aí, nos mares,
a bordejar na resistência,
ou a enfrentar as correntezas
na peleja pela sobrevivência.
sábado, 7 de setembro de 2019
À margem do Brasil
Tá vendo essa estrada, rapaz,
ela sobe serra acima
até chegar no Brasil.
O Brasilzão fica lá no alto
e nós vivemos cá na borda
que nem era terra há cinco mil anos,
pois o oceano chegava cá no piemonte.
Tudo isso que você está vendo,
casas, prédios, condomínios,
marinas construídas sobre o manguezal,
tudo isso já foi mar e você sabe,
o que é dele, ele vem buscar...
Me diga, rapaz, você sabe nadar?
Queimada no coração do Brasil
Foge, capivara,
entoca, tatu,
voa, arara,
mergulha, jacaré,
corre, paca...
Ai, meus São Francisco de Assis,
Curupira tupinambá,
anjos da guarda, matimpererê,
a ignorância dos incendiários
quem haverá de deter?
Agosto, mês do desgosto.
Quero deixar aqui um recado de José Almiro, meu avô,
para os piromaníacos
que querem fazer dos cerrados, um deserto
e da Amazônia, um inferno:
"Quem faz coivara em julho ou agosto
só colhe desgosto."
para os piromaníacos
que querem fazer dos cerrados, um deserto
e da Amazônia, um inferno:
"Quem faz coivara em julho ou agosto
só colhe desgosto."
domingo, 1 de setembro de 2019
Não vacile na ortografia
Meus pais, vou viajar pelo país,
vou provar as mangas e os mangás,
quero beijar a miss de maio, de maiô,
que sabe que baba está para babá,
assim como camelo está para camelô.
Além de bela, ela é sábia, sabiá!
sábado, 31 de agosto de 2019
Vai tomar banho, Cabral!
Quando Pedro Álvares Cabral chegou em Pindorama
só para encher o saco e torrar a paciência,
meu antepassado não foi na conversa fiada dele, não.
Ele mostrou uma galinha e meu vovô mostrou um jacu;
ele ofereceu vinho do porto e meu avô, o cauim;
ele apresentou a maçã e meu avô, o caju;
o luso lhe deu farinha de trigo e meu avô, de mandioca;
o excomungado deu um caramelo e meu avô devolveu uma paçoca;
ele disparou um trabuco e meu avô, no ato, truco!,
convocou um boitatá e pôs toda a galera para dançar.
A última vez que ele espiou, as caravelas tomavam o rumo do norte,
e o que ficou na lembrança foi que fediam como a morte.
domingo, 25 de agosto de 2019
Recenseamento
sábado, 24 de agosto de 2019
Regras do futebol caiçara
Para jogar futebol na praia
não é preciso goleiro,
as traves são gravetos, pedras ou chinelos,
separados por um passo de distância;
deve-se jogar descalço
e não ter medo de canelada,
de afundar os pés na areia macia
ou de machucar a sola na areia grossa;
é necessário horário de pouca insolação,
pelear atrás da bola até dentro d'água
e preferir o estirâncio das ondas
onde a areia é mais compacta.
E para perdedores e vencedores,
depois que o jogo acabar,
o prêmio é um banho de mar.
Poesia na prática
Gosto de sair por aí
a distribuir cumprimentos
e palavras de gentilezas
para conhecidos e desconhecidos.
Não pega bem asperezas
em um planeta tão esférico.
a distribuir cumprimentos
e palavras de gentilezas
para conhecidos e desconhecidos.
Não pega bem asperezas
em um planeta tão esférico.
quinta-feira, 15 de agosto de 2019
Tudo o que ele queria era nos abraçar
Gosto muito de reler a antiga história
do jovem que se arriscou a sair pelo mundo
a convencer as pessoas
a amarem uns aos outros,
a respeitar todo ser vivo,
a louvar a Deus pela Terra,
pelas árvores e pelos bichos...
E saiu em andanças,
dando pão a quem tem fome,
dando água a quem tem sede,
curando quem era cego,
consertando a vida de uns e outros
e até ressuscitou mortos.
Depois de tanto amor e bem,
quando pensou que ia ser amado,
trataram-no com mentiras e pancadas
e o mataram na cruz.
Agora penso como estaria o mundo
se ele fosse bem recebido
e se pudessem compreendê-lo?
Tudo o que ele queria era nos abraçar.
Mil em uma
Num dia ela se trata,
noutro ela relaxa,
tem vez que está descalça,
noutra, usa botas...
Quem me atenderá
quando eu bater à sua porta?
noutro ela relaxa,
tem vez que está descalça,
noutra, usa botas...
Quem me atenderá
quando eu bater à sua porta?
sábado, 10 de agosto de 2019
Peixe sapreso
A cambeba fez um estrago no tresmalho
do Zé Almiro, meu avô,
que não teve pesca a semana toda
e a gente teve na mistura das refeições
a criação do quintal,
pato, galinha e marreco.
Eu pedi e vovó fez peixe sapreso com banana-verde.
Já Tio Tonico atravessou a espingarda nas costas
e subiu o morro com uma carga de abricó
para preparar a ceva das pacas,
a melhor carne quando ainda não existiam as vacas.
sábado, 27 de julho de 2019
É coisa nossa
domingo, 21 de julho de 2019
Fiquem atentos
E teve um dia que a sorte passou por mim,
mas eu estava tão desligado
que ela foi bater na casa ao lado.
Casa de caiçara
A casa mais segura do mundo
é protegida por uma cerca viva de hibiscos
que atraem todas os beija-flores, mariquitas,
abelhas e mamangavas da vizinhança,
que só deixam passar a criançada
e outros bichos andejos à sua semelhança.
domingo, 14 de julho de 2019
Aulas de poesia
Vovó, o que a senhora está fazendo?
Estou misturando gordura e cinzas,
duas coisas muito sujas,
para fazer sabão e deixar tudo mais limpo.
Vovó, o que a senhora está fazendo?
Estou fazendo enxertos
para ter rosas de duas cores.
Vovó, o que a senhora está fazendo?
Vovó, o que a senhora está fazendo?
Estou colocando as brasas para dormir
debaixo das cinzas do fogão a lenha.
Vovó Eugênia era assim,
a todo instante dava aulas de poesia.
Sabedoria de Vovó Eugênia
A era dos trogloditas
Os trogloditas estão lá fora
a destruir os ecossistemas,
a extinguir os animais,
a aterrar os manguezais,
a expulsar os pobres
para tomar as terras,
para aumentar sua opulência,
para dilatar suas vidas
e encurtar nossa existência.
Os trogloditas desta vez
vêm bem vestidos,
com palavras eruditas,
com diplomas de universidades
que ensinam de tudo,
só não ensinam humanidades.
sexta-feira, 12 de julho de 2019
Morada de caiçara
De pau-a-pique
com o devido reboco,
a casa de minha infância era simples,
mas aconchegante.
Nela o café, o feijão e a alma
estavam sempre aquecidos,
pois continha toda a família,
os santos do oratório
e um fogão a lenha na cozinha.
sábado, 6 de julho de 2019
A resposta
O que é a verdade? O que é a justiça?
Sócrates fazia perguntas incômodas
e foi condenado à morte.
O mesmo destino teve N.S. Jesus,
o Todo-Amoroso, quando trouxe as respostas:
Amor a Deus e ao próximo,
porque o amor vai além das palavras,
salta o muro e vai às ruas
para abraçar quem está só,
para dar pão a quem tem fome
água a quem tem sede,
agasalho a quem tem frio
e justiça para quem foi injustiçado.
O amor é confiante, gratuito,
é simples, benfazejo, irradia luz, calor
e nos torna parceiros do Criador.
segunda-feira, 1 de julho de 2019
Jaguar
Os astecas deram-lhe o nome de jaguar,
os tupis chamam de jaguaretê
e nós, onça pintada,
bicho brabo tal qual o resto da família,
jaguatirica, jaguaruna, jaguarundi,
que todos os tipos de bichos comem
e, quando querem variar o cardápio,
vão na roça e caçam um homem.
Portal para o céu
São João Batista
tem muitas capelas no mundo,
mas a preferida dentre elas
está na Praia da Fortaleza,
de portas abertas para o mar.
Na nossa praia sempre tem gente
que vê luzes sem explicação,
foi boitatá ou São João a nos visitar?
terça-feira, 18 de junho de 2019
Boitatá
Boitatá, coisa que brilha igual fogo,
aparece nas trevas,
mas não clareia nada, não,
vem para deixar gente assombrada,
vem só para aumentar a escuridão.
domingo, 16 de junho de 2019
Desde a luta pelas Diretas Já!
Quem eu amo, sempre encontrarei,
no cotidiano ou na memória,
jogando no mesmo time,
participando da mesma história:
Neide Tatemoto, Nalva Barbosa,
Carlos Almeida, Álvaro Fujii,
Albertina Cândido, Aziz Ab'Saber,
Leinad Ayer, Dora Petroleo, Priscila Siqueira,
Frei Wilmar Villalba, Bado Todão,
Cesário do Prado, Geni Xavier,
Mônica Ciari, Carmem Grammont,
Custódia Carneiro, Paulina Borges,
Marcos Tupã, Altino Werá, Benedito Prezia,
José Bessa, Anselmo Tambellini
e mais outro tanto de irmãos
de sangue ou do peito.
Quem luta por justiça e liberdade
sempre terá o meu respeito.
domingo, 9 de junho de 2019
O lado noruega da vida
Meu avô me ensinou
que não não se deve fazer roça
no lado noruega dos morros,
pois nas vertentes sul das montanhas
as plantas recebem menos luz solar,
crescem mais devagar
ou não se desenvolvem a contento.
O mesmo acontece com muitas pessoas
que se isolam no próprio mundo
e atrofiam os bons sentimentos
por faltar o calor do amor
ou a luz da amizade.
segunda-feira, 20 de maio de 2019
Poema da segunda-feira
O cantador exagerou na batucada,
Saiu da sintonia e,
não sabe em qual curva da estrada,
perdeu a namorada.
Perdeu a companhia, mas não perdeu o violão
Para tocar uma nova canção
E a vida adiante com mais sabedoria,
pode não parecer,
mas poesia rima com liberdade,
os cantadores também merecem alforria.
sábado, 18 de maio de 2019
A poesia explica Deus
Ao evitar o corte da floresta, seu nome foi Chico Mendes;
na defesa da igualdade para todas as pessoas, ele foi Nelson Mandela;
ao salvar muitos judeus, se chamou Raoul Wallenberg e,
pelo direito de viver e estudar, tornou-se Malala Yousafzai.
Onde a ciência não alcança e a teologia fica aquém,
a poesia foi além e encontrou Deus,
ele é o amor que ousa enfrentar o ódio:
preconceitos, não!
ele é a sanidade que corrige a loucura:
capitalismo selvagem, não!
ele é a vida que venceu a morte:
armamentismo, não!
sábado, 4 de maio de 2019
Seres do mar
Cora, Coralina, corais,
aqui tinha quelônios, equinodermos, peixes,
saudades dos manguezais.
quando retornarão os moluscos, crustáceos,
saudades dos cetáceos.
Meu avô deu uma pancada de remo no boitatá
e voou faísca para todo lado,
Manuel, ó Bandeira,
nesta terra sem eira, nem beira,
havia seres naturais e sobrenaturais,
saudades dos seres das madrugadas e dos madrigais.
aqui tinha quelônios, equinodermos, peixes,
saudades dos manguezais.
quando retornarão os moluscos, crustáceos,
saudades dos cetáceos.
Meu avô deu uma pancada de remo no boitatá
e voou faísca para todo lado,
Manuel, ó Bandeira,
nesta terra sem eira, nem beira,
havia seres naturais e sobrenaturais,
saudades dos seres das madrugadas e dos madrigais.
domingo, 21 de abril de 2019
Além dos limites
No breu.
No breu da noite nublada no mar de fora, sem bússola, sem visão do litoral, sem solução, com risco de morrer pagão.
No breu da noite nublada no mar de fora, sem visão do litoral, sem solução, com risco de morrer pagão, em quase desespero, rogue a Deus que se abram as nuvens para mostrar o setestrelo.
No breu da noite nublada no mar de fora, sem visão do litoral, sem solução, com risco de morrer pagão, em quase desespero, peça a Deus que se abram as nuvens para mostrar o setestrelo, para achar o rumo do porto de Ubatuba, para a capela de Nossa Senhora do Itaguá, onde se entoa a ladainha pedindo proteção para todos os desventurados.
No breu da noite nublada no mar de fora, sem visão do litoral, sem solução, com risco de morrer pagão, em quase desespero, peça a Deus que se abram as nuvens para mostrar o setestrelo, para achar o rumo do porto de Ubatuba, para a capela de Nossa Senhora do Itaguá, onde se entoa a ladainha pedindo proteção para todos os desventurados que erraram em navegar muito longe da segurança, muito perto do perigo; muito perto do abismo, muito longe da esperança.
Princípios
O importante é saber bem as origens,
é conhecer a própria história
e a maioria dos brasis
misturam senzalas, aldeias e caravelas,
minha família entre elas.
Quem ataca minhas raízes é meu inimigo,
quem propaga o amor como solução
é minha irmã, é meu irmão.
Eu aprendi com meu avô que,
mais importante que remar,
é saber se orientar.
sábado, 20 de abril de 2019
Resistência
Guaruçá é caranguejo das praias,
tatu é bicho dos morros.
Eu nasci guaruçá, perdi minha toca
e hoje moro no sopé da serra,
mas me recuso a ser tatu
e vou fazendo versos após versos
com casos dos pescadores e do mar.
Mas, o que eu queria, mesmo, é ser carapirá,
um tanto da terra, um tanto do céu e o resto é mar.
terça-feira, 16 de abril de 2019
quinta-feira, 11 de abril de 2019
Companhia para a estrada
Se é para pôr os pés na estrada,
eu quero ir em boa companhia
com gente que ama a natureza,
que enxuga o rosto de Jesus,
que canta as músicas
de Chico, Milton e Caetano,
que vota na esquerda,
que escreve recadinhos assim:
"Fui na casa de Ana C,
deixe um pedaço de torta para mim."
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