domingo, 30 de julho de 2017
Criança não paga passagem
A imaginação do menino sentado na praia
embarcou na traineira que atravessou a baía
e foi pescar anchovas no mar de fora,
enfrentou procelas, quase foi ao fundo,
desviou da rota e conheceu meio mundo.
Como o sol já estava quase se escondendo
por detrás da Serrinha da Fortaleza,
o menino resolveu pôr os pés no chão
e voltar para casa.
Amanhã, quem sabe,
daria para avistar um navio cargueiro
passando por fora da Ilha Vitória
para o levar mais longe, para uma nova história.
poesia do cotidiano
Peixe, farinha, banana
eram do nosso lugar,
de fora só a pimenta do reino,
que tratamos logo de plantar
e cresceu abraçada
ao coqueiro no quintal.
Quando a gente abria um coco,
vovô o provava, piscava os olhos
e dizia que a água estava apimentada.
quinta-feira, 27 de julho de 2017
O lado de cá do mundo
Eu tava de bem com a vida,
aprendendo a ser caiçara,
brincando de pescar,
aprendendo a nadar,
brincando de remar canoa,
levando tudo numa boa,
quando me puseram roupa nova,
sapato de machucar os dedos
e me mandaram para a escola
para aprender os segredos
de decifrar os símbolos, alinhar as letras
e repetir as fórmulas.
Quando pensei que tinha acabado,
que já estava livre,
que podia voltar para a praia em que nasci,
me mandaram para outro grau
para aprender os mandamentos,
respeitar a disciplina,
ter uma profissão de verdade,
porque o país precisa de mim.
E eu? Alguém sabe que para viver
eu preciso de gêneros de primeiras,
segundas, terceiras e outras necessidades,
tipo, ar, água, carinhos, alimentos
e mais um pouquinho de mar
para pôr meus sonhos para navegar?
Canção do mar
O ritmo das ondas do mar
é a primeira canção de ninar
que põem as crianças caiçaras
para dormir e sonhar
com os horizontes amplos
e a vida mais livre
no território sem cercas
do latifúndio oceânico:
o peixe é de quem o pescar;
o tesouro é de quem o achar;
meu parente levou uma garrafa de cachaça
em troca de um pedaço de âmbar.
sábado, 22 de julho de 2017
Cordeiros de Deus
Depoimento da caiçara Astrogilda da Conceição:
Os jagunços do inglês estavam expulsando todo mundo
e nós também fomos ameaçados, saí correndo atrás de um deles
com a enxada na mão. Mas, um dia, voltando da roça,
encontramos a casa derrubada, as panelas furadas,
e fomos obrigados a sair, sem nada, nem panelas,
fomos expulsos da nossa praia, Praia do Pulso,
com um chão de areia tão gostoso de pisar,
das nossas plantas, das nossas árvores de frutas,
fomos expulsos do paraíso por um bando de demônios.
Para onde, meu Deus?
sexta-feira, 21 de julho de 2017
Surpresas
no meio do mato;
achar um beijo
que se julgava perdido;
receber a visita de uma borboleta
que andeja mais que voa;
abrir a tampa da panela
e descobrir que tem galinha com quiabo;
abrir um livro e perceber que é melhor
do que se esperava,
como aconteceu quando li
Huckleberry Finn,
Cozinheiros Demais,
Sagarana, Sapato Florido...
sábado, 15 de julho de 2017
Memórias de Seu Oliveira
Eu morava,
trinta passos contados, sessenta anos passados,
trinta passos contados, sessenta anos passados,
na vizinhança do mar, no cantinho dos recifes,
na Praia da Fortaleza (Município de Ubatuba).
Minha janela era como um quadro
de moldura fixa e tela animada
e cada dia trazia detalhes diferentes
para a paisagem diante dos meus olhos:
uma gaivota aqui, um peixe que pulava além,
um barco que passava longe
e as ondas bem comportadas em tempo bom,
mas metendo medo em dia de tempestade.
Só o que sobrou daquele tempo é o que eu guardo
em um cantinho da minha saudade.
Limão cravo
Lembro da casa dos meus avós
rodeada de laranjeiras, cafeeiros,
duas jabuticabeiras,
dois coqueiros altíssimos
e incontáveis bananeiras.
Tenho doces lembranças
até do limoeiro no quintal
e seus frutos azedos.
sexta-feira, 14 de julho de 2017
Ubatuba, 1970
Dona Eugênia, minha avó, acordou cedo,
mexeu nas cinzas do fogão a lenha,
soprou a brasa dormente,
que despertou o fogo nos gravetos,
que incendiou a lenha.
Logo um bule de água fervente,
ao qual foi adicionado pó de café,
começou a espalhar um cheiro bom
que chegou até ao quarto
onde eu sonhava com o café feito por Vovó.
domingo, 9 de julho de 2017
Preguiça
Domingo depois do almoço
Tudo ficou suspenso,
Os pássaros silenciaram
E o vento parou.
Algum preguiçoso
Deixou o serviço incompleto
E o céu ficou pintado
Só com umas pinceladas de branco.
Radicais
Esses pilotos de acrobacias
que fazem piruetas
sobem até às nuvens
em seguida dão rasantes,
onde foi que aprenderam
a dar susto na gente?
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