segunda-feira, 29 de maio de 2017

Três haicais

















À sombra de um hibisco
saudades do Havaí
que ainda nem conheci.



Há um pássaro ( será um gavião?)
na rota da ponte aérea,
decerto pensa que é um avião.



Castelo de nuvens:
o vento o modelou
e depois foi brincar noutro lugar.

sábado, 27 de maio de 2017

Poema-convite














Eu lembro que éramos iguais,
partilhávamos a mesma praia,
o mesmo pedaço de mar,
tínhamos as mesmas roupas feitas em casa,
os mesmos calçados de lona
para ir à capelinha na festa de S. João, 
Folia dos Reis Magos, Festa do Divino,
uma fé festiva e mágica
em Deus, Anjos e Santos
que podem falar com os bichos,
saber do futuro,
curar quem está doente,
como eu, agora, que necessito tanto
de você que ficou distante.









Vidas desiguais






Igualdade,
por que seu nome tem que ser escrito
com letras de sangue na história de meu país?

Pescadores caiçaras
















Vovô José tinha centenas de braças de redes
tralhadas em fios de cordonel
com cabos tratados em tintura de aroeira
e duas canoas para lançá-las ao mar.
E, depois, para arrastá-la de volta à praia,
os braços dos filhos, netos
e demais parceiros eram bem recebidos,
todos os corações eram bem recebidos,
porque pescar é uma ação coletiva
e recolher o pescado e distribuí-lo
era sempre uma ocasião festiva.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Viagem para a França














Um menino de chinelos desce do ônibus
no bolso nenhum tostão, só o passe de volta 

que o anjo da guarda
ajuda a guardar com muito cuidado.

Ai se perdesse,
não teria como voltar para casa
quase 10 km distante.
O estudante leva uma pasta plástica
com cadernos e estojo.
Livro só um, le français par la méthode directe, Ed. Hachette,
que foi pago em parcelas para a Madre Glória,
professora daquela matéria,
e que agora vai conjugando pelo caminho
je suis, tu est, il est, nous sommes, vous êtes, ils sont...

Os meninos daquela época se quisessem
podiam passear por Paris. 
Eu quis.







sábado, 20 de maio de 2017

Pintando alegrias













Alguém trouxe palavras,
outro, tintas,
teve quem colaborou com figuras
e as crianças se pintaram e pintaram
poemas, pingos e cores.
E o muro que era azul de tristeza
ganhou árvores, flores, sol,
passarinhos e um cavalinho xadrez
que todos os que passam por lá,
querem, em sonhos, cavalgar.




Poemeu contra o retrocesso













Temos que ser gratos aos índios,
poetas de nascença,
por nos deixarem a palavra titica
que é sinônimo de excrementos,
coisa desprezível e todo tipo de merda,
como as ideias militaristas
de quem tem titica de galinha na cabeça...
Olha quanta coisa gente herda!

Tem poesia na geografia


Na aula sobre o Amazonas
junto com as crianças do sexto ano
fomos viajando a todo pano
desde as nascentes nos Andes
passando pelos afluentes
entrando nos igarapés
e um dedo de poetinha se levantou...
silêncio, pausa, ó!
- Professor, perereca é a mulher da pororoca?
Ainda bem que já estávamos em Marajó.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Pichação






Se rimei amor com dor, perdão,
é que tudo estava escuro
quando escrevi o poema no muro.

Poeta para poetisa:













Caso você não se atrase,
caso a placa tectônica da América do Sul
não se abale
e mantenha firmes os meus pés no chão,
caso você não diga não
quando o padre perguntar se aceita minha mão,
juntaremos, então, nossos versos
e escreveremos juntos um poema
que não terá ponto final.

Olhos, janelas da alma




Por que abro bem os olhos
quando estou pertinho de você?
É porque o tempo frio está chegando
e quero que veja
minha alma precisando se aquecer.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Poema de barriga vazia



O poeta quis escrever palavras
cheias de ternuras,
constou salada de verduras;
beijo virou queijos;
afagos, aspargos;
carinho, taça de vinho,
e, ressalte-se, vinho tinto.
As palavras são indisciplinadas
quando o poeta está faminto.

Ás no pedal









Saí de casa logo cedo
e com muita disposição,
montei na bicicleta,
pedalei estrada afora,
encontrei quem eu amava
e que nem sabia que era amada,
empinei a magrela,
soltei as mãos do guidão,
derrapei, caí por terra,
chamei sua atenção,
ganhei seu socorro, 
um beijo que sara tudo,
um pedaço de seu coração.


domingo, 14 de maio de 2017

Tempo ladrão




Com o tempo eu tenho um problema,
enquanto ele é linear,
eu vou, eu volto, eu sou circular,
e vejo suas marcas nas notícias atualizadas,
você sabe quem morreu?
Não, não diga, tais notícias me deixam deprê.
Me afasto rapidamente
e faço uma oração para todos os Santos
na esperança que não seja uma poetisa ou poeta,
já perdemos tantos...

Aonde vão os pássaros?














As árvores da serrinha começaram a dançar
uma coreografia louca,
som de galhos quebrados
e o bananal de casa deitou-se
forçado pela tempestade.
E nós ficamos preocupados?
Nadinha, porque Vovó sabe e fez
a oração para Santa Bárbara,
depois queimou palha benta
e pediu que fossem protegidas até as avezinhas do céu.
Onde vão parar  os pássaros na tormenta?

sábado, 13 de maio de 2017

Vento sul




Tantas coisas para fazer
e eu, aqui, sentado a escrever
e espalhar palavras ao vento
que, um tanto mais forte, vira tormenta,
se inadequadas, viram tormento.


segunda-feira, 8 de maio de 2017

Poema para mamãe





         mãe, mãe, mãe,      mãe, mãe, mãe,
mãe, mãe, mãe, mãe,      mãe, mãe, mãe, mãe,
  mãe, mãe, mãe, mãe,  mãe, mãe, mãe, mãe,
  mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe,
     mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe,
     mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe,
         mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe,
             mãe, mãe, mãe, mãe, mãe,
                mãe... eu nem comecei
                    a escrever e meu
                       coração ficou
                         cheinho de
                               você
                                  .

domingo, 7 de maio de 2017

Zen poema




Uma vez um jovem enxerido
perguntou a um eremita
se tinha alguma mensagem
para as pessoas que viviam na cidade.
O eremita riu entredentes,
deu uma cachimbada, uma fumaça suspeita
subiu por entre os galhos da árvore
e um pássaro muito doido
começou a berrar: bem-te-vi, bem-te-vi...
"Não tenho nada a falar,
o passarinho falou por mim."

sábado, 6 de maio de 2017

Felicidade bate à porta
















Alguém bateu palmas,
fui atender pensando encontrar
a felicidade batendo à porta.
Nem valeu a pena me levantar,
era só uma dupla de religiosos
querendo salvar minha alma.

Júlio, não vá pescar!














    - Deus do céu já falou comigo. Foi em uma madrugada quando estava arrastando a canoa para pôr no mar. Ele disse nos meus ouvidos: "Júlio, não vá pescar!"
    - Olhei para os lados, pensei que era imaginação e continuei o que estava fazendo e de novo ouvi: "Júlio, não vá pescar!"
    - Parei, senti o vento, espiei o mar, estava quase tudo tranquilo e pela terceira  escutei o mesmo conselho: "Júlio, não vá pescar!"  
    -  Muito teimoso, eu fui. Veio uma primeira onda imensa, vinda de não sei onde, rolou minha canoa, me pinchou na areia. Depois vieram outras e começou o açoite do mar ressacado. Pedi perdão a Deus por não ouvir os seus conselhos. Quase morri afogado.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Lição à beira-mar














Desde menino,
quando faltava livro em casa,
eu ia ler o céu
deitado na Praia da Fortaleza.
E foi assim que fiquei alfabetizado
no voo da fragata
que percorre meio mundo
no sopro da corrente de ar,
aprendi que a nuvem espinha de peixe
é a vanguarda da frente fria
e assisti muitas vezes o desenho animado
de bichos, pessoas e castelos
que são feitos e desfeitos no céu.
Eu aprendi a viver nas nuvens
desde quando era menino.