domingo, 18 de dezembro de 2016
Criança de praia
– Menino, não vá à praia,
pois parece que vai chover!
– Não tem problema, mamãe,
se chover entro no mar
pra chuva não me molhar.
Enquanto mamãe ria,
A gente partia para outro universo
Para jogar futebol, empinar pipa,
Competir em mergulho e natação.
E a gente pegava sol, chuva,
Onda no peito e golpe de vento na dose certa
Para crescer em força e sabedoria,
Para pode escapar da celeridade da vida
E aproveitar bem o dia.
Abraço de manacá
Entre as boas recordações de São Paulo,
Dos milhões de automóveis e respectivas fumaças,
Dos milhões de pessoas e respectivos nuances,
Guardo a lembrança de seus parques e áreas verdes:
Trianon, Cidade Universitária, Instituto Butantã,
Ibirapuera, Carmo, Cantareira
E as presenças familiares da tipuana, jerivá,
Sibipiruna, pau-ferro (ubiratã),
jacarandá mimoso, aquele abraço, manacá.
Viagem no tempo
Eu queria ser um músico
daqueles bem competentes
para passar para o papel
as notas musicais que as andorinhas escrevem
quando pousam nos fios elétricos.
Deve ser uma música muito louca
sobre os lugares na rota da migração
desde o norte do continente,
desde as alturas das nuvens,
sobre florestas e montanhas,
sobre os seres que se arrastam no chão.
Deve ser uma música caduca
sobre lugares de maravilhas:
Asgard, Aruanda, Atlântida, Avalon,
Éden, Olimpo, Thule, Valhala, Xangrilá…
Ai, se eu fosse um músico com as competentes asas,
eu também viveria lá.
Mensagem em código
Traço ponto ponto
ponto ponto traço
ponto traço ponto ponto
traço ponto traço ponto
ponto,
os grilos no quintal não param de telegrafar
os convites de romances,
as delícias do capim,
as juras de amor:
sem você o que seria de mim?
sexta-feira, 9 de dezembro de 2016
Um bom pescador
Para ser um bom pescador
É preciso ter canoa,
Linhada, espinhel, tresmalho,
Medalha de S. Pedro,
Um cuité de farinha,
Uma penca de banana,
Uma garrafa de café,
Uma dose de parati,
Um pesqueiro secreto,
Bons braços pra remar,
Uma cabeça pra pensar
No que é preciso fazer
Se o tempo virar,
Se o dia virar noite,
Se o vento sul desandar.
Carta para Geovana
Hoje amanheceu chovendo aqui em Ubatuba,
Uma chuva fraca que cai nas folhas das plantas
Fazendo um barulhinho de preguiça
Que até dá vontade de dormir mais um pouco,
Mas os gatos, ai, em casa tem seis gatos,
Os gatos dizem que não,
Miam para me levantar,
Querem comida e exigem ração.
E os cachorros no quintal,
Bem que eles podiam ficar dormindo
Ou quietinhos até mais tarde,
Porque hoje é sábado,
Mas não, preferem fazer alarde,
Latem porque ouviram um latido longe
De outro cachorro que latiu
Porque ouviu outro cachorro latindo…
E se a gente procurar até onde essa história vai,
Vamos descobrir que tudo começou
Com um cachorro fazendo cachorrada lá no Paraguai.
Parcerias
Meu antepassado emprestou
Um pedacinho da terra que Deus criou,
Um pouquinho da água do rio
Que da terra de Deus minou,
Um pouquinho de tempo bom
Para fazer tudo o que bom brotar
E logo colheu café, mandioca e banana,
Que minha avó logo preparou
Com tão agradável sabor,
Que, em qualquer ocasião,
Deus desce do céu para buscar o seu quinhão.
Um pedacinho da terra que Deus criou,
Um pouquinho da água do rio
Que da terra de Deus minou,
Um pouquinho de tempo bom
Para fazer tudo o que bom brotar
E logo colheu café, mandioca e banana,
Que minha avó logo preparou
Com tão agradável sabor,
Que, em qualquer ocasião,
Deus desce do céu para buscar o seu quinhão.
Hstória do mar
Nuvens pesadas sobre a Serra
Dão aviso aos pescadores
Que é hora de voltar para a terra
Quem tem juízo obedece
Quem não tem padece
Com o açoite de ventos e chuvas
Como aconteceu com Baldino
Que dentro do barco em dia de mar calmo
Catou uma nota do bolso, pinchou no mar
E pediu que São Pedro mandasse
Dez cruzeiros de chuva e vento.
Pra quê mexer com o céu,
Meu Deus do céu?
Dão aviso aos pescadores
Que é hora de voltar para a terra
Quem tem juízo obedece
Quem não tem padece
Com o açoite de ventos e chuvas
Como aconteceu com Baldino
Que dentro do barco em dia de mar calmo
Catou uma nota do bolso, pinchou no mar
E pediu que São Pedro mandasse
Dez cruzeiros de chuva e vento.
Pra quê mexer com o céu,
Meu Deus do céu?
Um certo Benedito
Benedito não foi um Dito qualquer, foi um Ditão,
Comprido de não caber na casa de um cristão,
Batia cabeça nos batentes
E suas pernas não cabiam
Debaixo das mesas dos parentes,
Ficava na ponta do pé
E pegava goiaba madura
No último galho da goiabeira
Da casa do vizinho
Onde a goiaba é mais doce
E a mulher é mais faceira,
Amarga só a faca peixeira
Que com dois rápidos golpes
Derrubou Benedito Lopes.
Comprido de não caber na casa de um cristão,
Batia cabeça nos batentes
E suas pernas não cabiam
Debaixo das mesas dos parentes,
Ficava na ponta do pé
E pegava goiaba madura
No último galho da goiabeira
Da casa do vizinho
Onde a goiaba é mais doce
E a mulher é mais faceira,
Amarga só a faca peixeira
Que com dois rápidos golpes
Derrubou Benedito Lopes.
Eugênia e José
José Almiro dos Santos pôs a canoa no mar
Armou a vela de traquete
E pôs-se a remar para ajudar o vento
A cruzar toda a Baía da Fortaleza
Para comprar no armazém do Maciel
Uma prenda para Eugênia de Jesus
Que o aceitou em casamento
Graças a Deus
Tudo tão rapidamente
Que a vírgula extraviou
Ela, minha avó;
Ele, meu avô.
Armou a vela de traquete
E pôs-se a remar para ajudar o vento
A cruzar toda a Baía da Fortaleza
Para comprar no armazém do Maciel
Uma prenda para Eugênia de Jesus
Que o aceitou em casamento
Graças a Deus
Tudo tão rapidamente
Que a vírgula extraviou
Ela, minha avó;
Ele, meu avô.
Máquina de fazer poesias
Eu tinha uma máquina de escrever Olivetti
Que tentava fazer poesia por conta própria
Misturando as letras,
Encavalando as teclas,
Anarquizando o poema.
Essa mania passou para o computador
Com corretor ortográfico
que já fez fusível virar fuzil;
Espáduas virar espátulas;
Dinossauro rex virar dicionário rex,
Harpa virar harpia…
Quem pode com tanta tecnologia?
quinta-feira, 1 de dezembro de 2016
Lição da noite
Me atrasei, meu bem, me atrasei
por dar ouvidos aos passarinhos
E procurar decifrar as mensagens
Que eles trazem do céu.
Atrasei tanto que não alcancei o sol da tarde
Para poder ler em seus olhos
As condições gerais do corpo e alma,
Verdes claros quando o tempo está favorável,
Verdes escuros quando a tempestade está próxima.
Por tão grande atraso a escuridão me surpreendeu,
Mas ficou a lição, nesse entrementes,
que na noite sem lua, meu bem,
os pirilampos tentam imitar estrelas cadentes.
Oração pela alma do poeta
No último dia das almas
me lembrei de Mário Quintana
e fiz uma oração pedindo
que tenha alcançado no céu
o mesmo porto alegre
que encontrei em seus poemas.
Onde a vida pulsa
O bom de ser criança
É que a gente brinca quando quer,
Mesmo sem ter brinquedos,
Mesmo sem quintal
(Mas com quintal é mais divertido),
Mesmo sozinho
(mas é melhor com os amigos),
Com batatas dá pra fazer bichinhos,
Com papel se faz avião,
Com panelas se faz uma batucada
(Mas com panelas velhas
Pra não arder as orelhas).
Quem usa a cachola consegue fazer
carrinhos de madeira, pipa, balão,
gaita de pente, bolha de sabão…
E ainda: Tarefa vira diversão, passeio vira aventura,
Tristeza passa a ser alegria,
Choros viram risos, tombo vira piada
E a atriz da televisão, quando eu crescer,
vai ser a minha namorada.
Para José Bessa, do Ceará
Cabeça descoberta,
Sol a pino nas latitudes tropicais,
Aridez na meteorologia,
Tempestade nas sinapses mentais:
Que mal há em sonhar
Com céus borrascosos
No sertão do Ceará?
Crônica caiçara
A princípio era o mar
e o mar guardava todos seus segredos
e todos seus perigos,
até que veio Sumé andando sobre as ondas,
convidou meu antepassado a mergulhar
e abraçar o oceano e seus mistérios,
a se dedicar a pescar,
a crescer em conhecimento dos seres,
na leitura das mudanças dos humores
do tempo e do mar.
Assim, por muitas gerações,
meus parentes foram senhores da praia
e líquidos latifúndios adjacentes
até que perderam o lugar do rancho para canoa
e foram obrigados a procurar sustento e guarida
na periferia das cidades e da vida.
Cabeça nas nuvens
Mamãe me deu dinheiro
para comprar mantimentos no armazém.
E eu fui pela estrada
margeada de sapé, capim-gordura
e uma ou outra árvore fruteira
com passarinhos nos galhos
ocupados em viver.
Parei só um instante para espiar
as corredeiras do ribeirão,
mas foi o tempo suficiente
para ir água abaixo a memória
do que eu precisava comprar.
Ouro no rio
Um córrego qualquer,
por pequeno que seja,
tem um tesouro para quem sabe ver
camarão pitu,
caranguejo mãe-d’água,
peixinho guaru,
pulga d’água, paturi
e planta é mato nas margens
para quem quiser enxergar,
no córrego mais humilde
da Serra do Mar.
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