A mesma história

Quem faz perder
sono, apetite e noção do ridículo?
Quem acelera os corações
e intromete-se até nos sonhos dos poetas?
Marília, de Gonzaga?
Berenice, de Edgar?
Ângela, de Gregório?
Eugênia, de Castro Alves?

Simples como um pescador

Eu queria ser simples como um pescador
que costuma dirigir sua embarcação
até onde o Sol nascente toca o horizonte,
parecendo, pra quem olha da praia,
que está a navegar no ar,
trava o punho da escota,
põe-se a pescar
e nem liga pra esse tipo de lorota.

Desejo

Eu queria ser um minerador felizardo
para descobrir o veio de ouro
que dá cor ao peixe-dourado.

Revelações

Gosto de assistir a alvorada
por revelar o mundo
ao fazer as paisagens surgirem
desde as bandas do nascente
igual foto polaroide:
p-a-u-l-a-t-i-n-a-m-e-n-t-e.

Delicadezas

Aniversário de uma pessoa muito querida,

ligo perguntando que tipo de livro?

Chocolate? Calçados? Músicas? Jantar?

E em vez de responder ela somente ri

e pede que eu leve um buquê,

apenas um buquê garni.

Ou seja, tô perdido, e penso:

se fosse eu, o que gostaria de ganhar?

As poesias de Mário Quintana?

um tratado da lógica booleana?

uma garrafa de porto? uma dose de mim?

Decido por um relógio sem baterias,

bom para nunca marcar

as horas que faltam para o fim...

e um maço de temperos

pra fazer um buquê garni.

O rio que corre ao contrário

O Tietê nasce na Serra do Mar

e, em vez de buscar o litoral,

corre para o interior.

O Tietê é rio teimoso,

igual pessoa que conheço,

que tendo quem a ame bem perto,

vai longe buscar outro amor.

SOS Tietê

Quem diria, jaçanã,

que um rio tão lindo,

outrora tão cheio de vida,

ia se acabar envenenado

e tendo seu destino negado?

Ah, irerê, não é mais água que corre,

mas, sim, lágrimas de mágoa,

tenho saudades da mata ciliar, da piracema

e até da hora da onça beber água.

Haverá alguma tecnologia,

milagre ou ciência de engenharia

que possa desviar o Tietê

para evitar tanta dor?

Responda, martim-pescador.

Aviso

No outro lado da rua

tem uma casa antiga

espalhando nostalgia

para todo o quarteirão,

com risco de virar epidemia.

O que se aprende na escola de poesia

Foi na escola de poesia,

que toda criança frequenta,

que aprendi a trançar palha de milho

para fazer petecas,

a andar nas alturas

sobre pernas de paus,

a tocar músicas populares

em gaita de papel e pente,

a construir barcos

em pau de tabebuia,

e, o melhor de tudo,

foi onde aprendi a pôr palitos em batatas

para fazer uma criação de  bichos absurdos.

Boas notícias

Alguém sabe se o apego momentâneo
foi superado pelo amor eterno?
Se as boas intenções
estão virando boas obras?
Se alguém continua a lançar a semente,
mesmo que caia em terra dura?
Alguém sabe de carinhos sendo distribuídos
em doses generosas e não onerosas?
Alguém têm boas notícias para dar?

Enquanto isso na estrada...

Altas expectativas para o feriadão:
nuvens sobre a Serra, chuva na Serra,
rios e cachoeiras sob a Serra…
- Mr. policeman, faça o favor de dizer:
ainda faltam quantas léguas
para chegar à Serra das águas?
- Mr. policeman? Léguas? Se você não é poeta,
faça o favor de soprar no bafômetro.

Caminhos

Não é preciso inventar moda
para viver o céu na Terra.
É só imitar S. Francisco,
S. Nicolau, S. Teresa de Calcutá
e sair por aí a distribuir carinho,
a dar pão a quem tem fome,
a respeitar a natureza
e amar a quem não é amado.
Dizem que isso diminui até a dor
de Nosso Senhor todo machucado.

Coração a bombordo

Eu gosto de acordar
e ficar um tempo escutando os ruídos
que vêm do mundo que desperta:
o ritmo constante do mar,
a algaravia de gaivotas,
os barcos que saem e entram no porto…

Eu gosto de despertar e notar

que tudo continua em ordem,

o mundo rolando pra leste,

meu coração a bombordo

a bela adormecida, a boreste.

Dica

 

No mês de janeiro
convém prestar atenção
para onde se dirigem as revoadas
de maritacas e periquitos.
Convém segui-los para investigar,
no final da trilha pode ter um prêmio,
o delicioso cambucá.

Boas vibrações

Já conhecem um pedacinho do céu
o músico que ponteia o violão,
aquele que ama e é correspondido,
bailarina no bailado,
artista com plateia,
criança absorta em brincar
e caiçara em canoa sobre o mar.

Dos direitos

Todas as crianças,
em especial as que moram em apartamentos,
terão direito a um quintal,
com árvores para abraçar, sacudir, balançar
e espaço para brincar de amarelinha, pique
e o reizinho mandou
(com poder de autoridade suprema)
que se cumpra esse poema.

Planos para o futuro

Quando eu crescer só vou comer
salgadinhos e tomar suco de laranja,
vou ter um pincel
que pinta as cores do mar
com todos os seus peixinhos,
vou ter uma gata de botas
e vou comprar um terno
pra eu continuar a ser
um super-herói oculto.

Dias de herói

Eu tive um colega de infância
muito maluquinho
que um dia colocou uma toalha de mesa
no pescoço
e pulou a janela no sobrado
onde morava e não se machucou
porque naquele momento
ele era o superman.

Poesia de Quino

Guile pegou o lápis
e garatujou na parede
animais, plantas,
carros, aviões por toda a sala.
A mãe chegou e quase entrou
em estado de choque
ao ver tanta bagunça.
- Quanta coisa cabe
dentro de um lápis,
não é mamãe?

Sugestões de presentes

Passeio na areia da praia,
Uma fortuna em conchinhas,
Um mergulho de gaivota,
Uma tigela cheia de acerolas,
Cócegas na barriga,
Cafunés de montão,
Corda de pular,
Boneca de palha de milho,
Um cachorrinho pra gostar,
Uma mãe sapeca,
ou um galo que canta, mas só na hora certa,
Feliz aniversário, Rebeca.

Rua da alegria

Quando crescer eu vou morar
na Rua da Alegria
e meus dias serão cheios
de beijos, abraços, carinhos,
risadas, combinação de pescarias.
Visitas inesperadas serão incentivadas
e, para quem costuma chegar atrasado,
à mesa sempre haverá um pedaço de pão.
(Dizem que só se chega à Rua da Alegria
pela Via do Coração.)