domingo, 28 de setembro de 2014

28/09/2014

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O dia amanheceu nublado
com previsão de chuvas
e pensei que o mundo despertaria mais tarde
nesta manhã de domingo.
Mas, exatamente às 5h26min,
todos os pássaros da mata atlântica,
(identifiquei alguns transgressores:
tié, corruíra, tiziu, sabiá)
desandaram a piar, trinar, pipilar,
gorjear, assoviar sem dó
de quem dormiu pouco.
Mesmo em dia de descanso
vale a pena acordar
com esses despertadores do mundo natural
que, creio eu, ainda vão acabar revertendo
o fluxo do êxodo rural.
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sábado, 27 de setembro de 2014

Sinais

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A gente sabe que a primavera está para chegar
quando os ipês explodem exagerados
em cores que não existem
em nenhuma caixa de lápis,
quando as mulheres começam a exibir
o mais belos ramalhetes
de flores nas vestes e nos enfeites
e quando o sabiá começa a assoviar
melodias que os arcanjos cantaram
somente para os ouvidos
de Johann Sebastian Bach.


domingo, 21 de setembro de 2014

Pescador

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Há toda uma herança de sabedorias
e mais a prática do dia-a-dia
na escola do pescador até aprender
a ler no céu o que vai acontecer
com o tempo que ainda não mudou,
a espiar as correntes marinhas
atrás do pescado que se ocultou
e saber que peixe mordeu a isca
e aquele que escapou.
Frequentei pouco essa escola
por motivo de mudanças,
restou-me ser, então,
um pescador de lembranças.

sábado, 20 de setembro de 2014

Rogé


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Rogé Mesquita
vendia sardinha,
bebia cachaça,
comia farinha,
fazia graça,
cantava modinha,
não tinha morada
nem namorada.
Atravessou incólume
Muito trecho de mar
e acabou naufragado
na porta de um bar.

domingo, 14 de setembro de 2014

Mar nosso


                A casa de meus avós navegava

                em um mar de bananeiras,

                cuja chaminé

                soltava rolos de fumaça

                com cheiro de pirão de peixe.

                A casa de meus avós

                era uma embarcação

                no oceano do bananal,

                só percebida pela bandeira

                do padroeiro São João

                no mastro principal.

                A casa de meus avós era um barco

                cercado de bananeiras

                por todos os lados,

                que quase ia a pique

                em tempo de moção,

                sob as vagas das folhagens

                em furiosa agitação.

sábado, 13 de setembro de 2014

Lição de generosidade


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Sou muito grato ao tarumã, manacá,
caroba, brejaúva, embaúba, cubatã,
e outras tantas árvores
que deram aos meus antepassados
suas cascas, troncos e frutos
em remédios, casas, canoas e alimentos.
Velhas amigas também dos pássaros,
caxinguelês, micos e bromélias
que nelas tem abrigo e sustento.
Que fazem sombra sobre esta pedra
e me protege do sol,
compreensivelmente ardendo mais que o normal,
indignado com a humanidade
que nem aprende com as árvores
as lições de generosidade.

sábado, 6 de setembro de 2014

Poema tristinho

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Seu Roque da Praia da Caçandoca
foi ao doutor juiz
e disse que não sabia ler,
mas sabia falar
e que sua língua
dizia só a verdade
e que não se fiava em papel
que aceita qualquer mentira.
O bom era assim
falar frente a frente
para o doutor juiz
interrogar suas palavras,
sua boca,
seus olhos
e seus modos.
Que a terra sempre foi sua
e que sendo analfabeto
foi ludibriado,
enganado,
tapeado
para pôr o dedão
na autorização
para abrir a estrada
para melhorar o transporte
das bananas,
das pessoas,
dos pescados
e tomaram toda sua terra
de não ter onde cair morto.
O doutor juiz não teve dó
e decidiu que,
mesmo para analfabeto,
vale o que está escrito.