quinta-feira, 31 de julho de 2014

História de caiçaras de Ubatuba



Quero contar esta história
Pra refrescar a memória
Daqueles que em má hora
Cismaram de ir embora
Em noite de ventos éolos
Em momentos de penúria
Cheios de aflição
Levando entre os teréns
A inocência perdida
E escassos contados vinténs
Arrancados pelos juízes
De terras que eram suas
Em terras que eram nuas
Até serem amanhadas
Pelos braços
Pelos ferros
Perdidas pelos erros
Engolidas pelos perros
Porque o tempo mudou
E na praia
E no mar
E na terra
E na vida
A entrada é proibida
Para pessoas estranhas
Que ainda confiam na justiça.

SEJA BEM VINDO




Esta é minha casa, entre
e seja bem-vindo, veja
seu retrato na parede, beba
essa garapa, coma
esse peixe assado, ganhei
do Senhor seu pai, descanse
seu corpo ferido na tarimba, deixe-me
passar esse unguento, pagar-me?
Só com um quinhão de sua luz,
pouco pro Senhor, demasiado
pra mim, Jesus.

Protesto caiçara


Que crime praticou
o pescador Júlio Barbosa
da Praia do Félix
para que o doutor juiz
ordenasse a demolição
de seu rancho de canoa?
Um ranchinho de madeira
no cantinho da praia
à sombra da amendoeira
que o pescador herdou
de seu finado avô,
que de toda Ubatuba
foi um dos poucos que restou.
Foi por causa de sua arte
de a rede costurar?
Foi culpa de sua perícia
no ofício de pescar?
Foi pela cultura caiçara
que teima em praticar?
E seu rancho vindo ao chão,
onde guardará sua canoa,
onde abrigará seu coração?


Ps.: Seu Júlio conseguiu o direito de continuar com seu rancho de pescador em 2012, após muitos anos de resistência.

Recados do vento leste


 
Às vezes o vento leste
traz aos nossos ouvidos
em permeio ao clamor
da arrebentação das ondas,
dos ruídos de refregas
de acontecidas batalhas navais,
das canções de marinheiros
de longitudes orientais,
cá para a América,
ecos distantes
das antigas vozes d’África.

Aquarelas






Uma revoada de pássaros levanta voo 
de partida para sua casa de inverno. 
Onde? 
Uma pessoa colhe flores 
e ajeita um ramalhete de presente. 
Pra quem? 
Um retrato na parede 
mira distante. 
O quê? 
Uma nostalgia mansinha 
tá querendo me pegar. 
Por que? 

terça-feira, 29 de julho de 2014

Benedito e a sereia


images (1)
Foi numa noite de lua
com muita ardentia no mar,
que não presta pra pescar,
que reparei num peixe diferente,
amode que com jeito de gente,
no lajedo da Ilha das Palmas.
Ou foi uma sereia
ou uma peça das almas
que não pude decifrar,
porque logo mergulhou nas ondas
e nem tentou usar em mim seus encantos.
Olha, Seu Domingos, é fácil ficar aparvalhado
diante desse nosso oceano de espantos.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Ariano Suassuna no céu

images (1)

Ariano Suassuna, meus amigos,
chegou no céu
montado na cauda de um cometa,
abraçou São Pedro,
sapecou um cheiro em S. Rita,
dançou com S. Gonçalo,
fez a reverência ao Rei do Congo, S. Benedito,
deu três pulinhos diante de S. Longuinho,
aqui se admirou, acolá se benzeu.
Ou seja, o velhinho porreta
nem percebeu que faleceu.